A opção entre os Sistemas

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

 

No dia 21 de abril, o eleitorado definirá, através de plebiscito, o sistema de governo que deverá vigorar no país: parlamentarista ou presidencialista. No século 19, a opção entre ambos tinha um direcionamento político bastante claro. No presidencialismo, a possibilidade de o Congresso forçar o presidente a demitir os seus ministros era extremamente limitada. No parlamentarismo, governar sem o apoio do Parlamento era óbvia impossibilidade. Nesse, o poder Legislativo era o centro político por excelência. Naquele, o presidente dividia com o Congresso a capacidade de mobilização popular e a busca do apoio para a tomada de decisão política, mesmo porque o presidente, eleito por um sufrágio próprio, constitui a expressão de uma maioria política diferente daquela existente no Congresso.

Esse tipo de debate modificou-se profundamente no correr do século 20. Na verdade, o superdesenvolvimento técnico e econômico no exercício do poder e o advento de sociedades extremamente complexas deslocou o eixo de discussões.

Nesse novo contexto, costuma-se criticar o sistema presidencialista pelos inconvenientes do chamado presidencialismo imperial e do agigantamento do Executivo, gerando uma ostensiva tibieza do Legislativo não só no cumprimento de sua função legislativa mas no controle político de temas altamente técnicos. Em conseqüência, o confronto dos poderes chega a um paroxismo, na medida em que ambos recebem uma delegação direta da soberania nacional (o exemplo da medida provisória é, nesse caso significativo).

Nos países de tradição parlamentarista (europeus), porém, o problema não é diferente. Lá também se nota nítida concentração do poder de decisão econômica pública e o conseqüente declínio dos Parlamentos. Os diversos relatores de uma enquete realizada na Europa em 1978 mostram que mesmo quando a intervenção do Parlamento é necessária - aprovação de um plano, votação das leis do orçamento - ela permanece formal: espera-se dele somente que aprove, sem modificar profundamente, os projetos que o governo prepara. Ou seja, a competência jurídico-constitucional não corresponde ao exercício de fato do poder. E mais, este processo de concentração existe ,até mesmo dentro do Executivo, com o risco do hiperdimensionamento dos ministérios econômicos. Por outro lado, a relativa independência técnica em matéria econômica em face das competências juridico-políticas faz com que, nesses sistemas, não exista política de conjunto para as empresas públicas ou de participação pública, de onde decorre a enorme autonomia destas, fator de enfraquecimento ainda mais extensivo do controle parlamentar. O Executivo, no entanto, premido por pressões lobísticas, corre o risco de ver a soberania do Estado ameaçada pela influência de poderosos interesses privados.

No presidencialismo, por sua vez, a concentração do poder nas mãos de um só homem parece lidar com mais facilidade com os problemas técnicos gerados pela complexidade da vida econômica. Isto, contudo, e apenas uma aparência, posto que, no presidencialismo, os centros de pressão passam a ser os departamentos econômicos ou os órgãos de competência econômica dos ministérios, cuja atividade não tem, obviamente, a transparência dos órgãos representativos. Com isso a tecnoburocracia, se de um lado ganha em independência técnica, de outro se torna muito mais sujeita ao clientelismo econômico. No presidencialismo, portanto, a vulnerabilidade do exercício do poder interventivo aos reclamos da legitimidade democrática parece ser ainda maior que no parlamentarismo.

Em síntese, a opção, hoje, entre os dois sistemas, passa pela reflexão sobre as relações não tanto de equilíbrio entre os poderes, mas de controle no macropoder político sobre o micropoder burocrático. Ou seja, a velha questão, quem legisla não pode ser quem executa nem quem julga, tem de ser repensada. Se, dito a opção parlamentarismo ou presidencialismo será cega e vazia.

Fonte: Carta: Falas, reflexões, memórias; informe de distribuição restrita do Senador Darcy Ribeiro. N. 1 (1991). Brasília: Gabinete do Senador Darcy Ribeiro, 1993, pp. 203-205.