Allegro ma non troppo

Tercio Sampaio Ferraz Jr

 

Em termos. O escândalo é instituição de controle social; sem ele, não há a consciência negativa da corrupção.

A CPI do Orçamento chega ao fim. Não há motivos para sair às ruas, comemorando uma vitória contra a corrupção. Mas também não é o caso de amuar-se numa atitude absolutamen­te cética.

Corrupção e denúncias de corrupção não são propriamente uma novidade na política brasileira. Não é preciso ir a um passado distante para levantar exemplos expressivos. Quem não se lembra das campanhas contra Adhémar de Barros, das denúncias de Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas ou mesmo das CPIs frustradas no governo Sarney? E, no entanto, nunca se colo­cou, àquele tempo, com tanta veemên­cia, uma hipótese de efetiva alteração no comportamento ético nacional. Ao contrário. Os apelos moralizantes de então pareciam esbarrar numa espécie de reconhecimento anestesiante de que a corrupção faria parte da índole políti­ca nacional. Como explicar, pois, essa expectativa de mudança que existe hoje?

A CPI do Orçamento levantou fatos e gerou expectativas de punição. Por mais comprovados que sejam esses fatos e por maior que seja a esperança de aplicação das penas, isto não trans­forma a crise política numa alteração de comportamento ético. Pois tudo depende de como os temas ganham importância no imaginário popular. Sobretudo pelo trabalho eficiente da mídia. Na verdade, os atos de corrup­ção de que são acusados alguns parla­mentares, ainda que tipificados legal­mente mediante provas, não seriam identificáveis como eticamente conde­náveis a não ser em face de um processo de estigmatização social gera­do pelo escândalo.

Escândalos não são um indicador objetivo dos próprios fatos ocorridos, mas sim da sensibilidade popular. O escândalo é, assim, uma espécie de instituição de controle social. Sem escândalos, um sistema político seria incapaz de produzir a consciência nega­tiva da corrupção. E sem essa cons­ciência, atos legalmente condenáveis não abalam a moral social e até adqui­rem um status de esperteza ou sobrevi­vem em nome de um fim supostamente maior ("rouba mas faz...").

Ora, um dos fatores que garantem alguma repercussão desta condenação no comportamento ético nacional é o aparecimento do que já se chamou de indústria do escândalo, esta criação, por meio da mídia, de uma espécie de corrente contínua de escândalos que, em nosso caso, vai da cassação de um mandato presidencial à CPI do Orça­mento, podendo levar à CPI das Em­preiteiras, da CUT etc. O escândalo tornado objeto de consumo.

É claro que isto não ocorre sem riscos para a própria capacidade de o sistema político suportar o que daí se segue. Pois, de um lado, poderemos ser conduzidos à apatia, caso em que o escândalo é inflado até o ponto de ser ineficiente a longo prazo. De outro, as comoções que desintegram as institui­ções, na medida em que parece ficar impossível castigar os corruptos encarados como maioria. Sobre isso, porém, é impossível fazer previsões.

Fonte: FOLHA DE S. PAULO – 22. JAN. 1994 – OPINIÃO.