Aplicação da Ação Revisional no Processo Trabalhista

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

 

Trato este trabalho da aplicação da ação revisional também chamada de ação de modificação ao processo trabalhista. De um lado, está em questão o disposto no art. 769 da CLT, que reza: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título". De outro, o disposto no art. 471 do CPC: "Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica continuada, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei". Deve-se lembrar, ademais, o disposto no art. 836 da CLT, que contém regra semelhante: "É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei nº 5.869, de 11.01.1973, Código de Processo Civil - dispensado o depósito referido nos arts. 488, inciso II, e 494 daquele diploma legal" (redação dada pela Lei nº 7.351/85).

O direito processual comum é aplicável no direito processual do trabalho. O art. 769 da CLT agasalha o princípio da subsidiariedade, consignando duas condições para a sua aplicação: a omissão e a compatibilidade. A omissão, no caso de ação de modificação, é percebida pela doutrina. VALENTIN CARRION a reconhece em seus Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho (São Paulo, 1990, p. 602). Admite, assim, que os efeitos da coisa julgada se produzem em todas as sentenças contenciosas, cuja imutabilidade, sendo restrita à manutenção dos supostos que lhe deram causa, aceita exceções. Contudo, embora na CLT haja exemplos de direitos sujeitos à modificação futura (caso do adicional de insalubridade ou de periculosidade - art. 194), para intentar sua modificação, quando estatuídos por sentença, a lei processual do trabalho "nada diz expressamente, quanto ao procedimento" (grifei). E para preencher a omissão, conclui pela possibilidade (ao lado de embargos à execução ou embargos de devedor - quando cabíveis) da ação revisional (p. 604).

De fato, o disposto no art. 836 da CLT não se confunde com o dispositivo que se encontra no art. 471 do CPC. Este último garante, no processo trabalhista, a autoridade da coisa julgada material. O texto da CLT fala em vedação aos órgãos da Justiça de conhecer de questões já decididas e excetua a ação rescisória e outros casos expressamente previstos. Contra julgamento passado em julgado, a lei admite remédios especiais para anulá-los, como é o caso dos embargos do executado "fundados em nulidade da citação" ou a ação rescisória. A menção à ação rescisória, expressa no texto, diz respeito à coisa julgada material. Isto se torna evidente quando se tem em vista o texto primitivo da CLT e os problemas interpretativos que dali surgiam. Não havia menção à ação rescisória, e o texto se encerrava onde no atual principia aquela menção. Com isso era acesa a disputa hermenêutica sobre o cabimento da ação rescisória no processo trabalhista. MOZART VICTOR RUSSOMANO, em seus Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho (Rio de Janeiro, 1960, v. V, art. 836) posicionava-se por uma interpretação restritiva do referido artigo, admitindo apenas as exceções do art. 893 e seguintes e dos arts. 873 e 875, donde se seguia a inadmitibilidade da ação rescisória. E da jurisprudência citada em abono de seu posicionamento podia-se ler que a omissão era intencional, posto que o legislador quisera "imprimir cunho definitivo às decisões", evitar "a precariedade e insegurança em torno de relações jurídicas que se querem rapidamente definidas" ou porque as decisões dos tribunais trabalhistas constituiriam "rés judicata desde que transitaram em julgado". Mas nessa jurisprudência também se firmava que: "Não há ofensa ao art. 836 da Consolidação das Leis do Trabalho, quando não se verificam os requisitos da coisa julgada" (grifei). A preocupação era com a coisa julgada material atingida pela ação rescisória, donde a tese de sua exclusão. Ou como estabelecia outra jurisprudência da época: "Se sentença transitada em julgado fixou o valor de determinada comissão a que o empregado faz jus, não é possível, depois, por meio de outra reclamatória, vir a discutir o referido valor. A res judicata o impede, terminantemente" - grifei - (todas citações de RUSSOMANO, p. 1428 e 1429).

Diferente é o disposto no art. 471 do CPC. Aqui se diz que o juiz não decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide. O art. 471 pertine, pois, à preclusão, à coisa julgada formal, ao trânsito em julgado no mesmo processo (PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, 1974, v. V, p. 192). Nesse a sentença resultante da ação de revisão ou de modificação "não desconhece nem contraria a anterior. Ao contrário, por conhecê-la e atender ao julgado, que contém implícita a cláusula rebus sic standibus, a adapta ao estado de fato superveniente" (cf. MOACYR AMARAL SANTOS, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, 1976, v. IV, p. 484). Ou seja, não se dirige à coisa julgada material.

Quanto à compatibilidade, atente-se inicialmente que o texto do art. 769 da CLT proclama o princípio da subsidiariedade amplamente no caso de omissão (“nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária...”), excluindo-o em caso de incompatibilidade (“... exceto naquilo em que for incompatível”). Ou seja, a regra é a subsidiariedade na omissão, sendo a incompatibilidade a exceção. Parece-me correto, neste sentido, que se dê à subsidiariedade a mais ampla aplicação, ao contrário do que pensam alguns (KROTOSCHIN) que supõem se deva a ela recorrer apenas eventualmente. Essa amplitude, no direito brasileiro, faz coro com a garantia constitucional da ampla defesa e do aceddo à Justiça. Ademais, a ação de modificação está conforme os princípios próprios do processo trabalhista dentre os quais se destaca, como assinala COUTURE ( Algunas nociones fundamentales del derecho procesal del trabajo, em Tribunales del Trabajo, Santa Fé, 1941, p.111, apud AMAURI MASCARO DO NASCIMENTO, Curso de Direito Processual do Trabalho, São Paulo, 1993, p.59), o princípio da revisão das sentenças toda vez que se tenham modificado as circunstâncias que lhe deram origem ou, em suas palavras, uma decisão, “num conflito individual ou coletivo, é sempre revisável e revogável, diante da modificação de algumas premissas”, o que é próprio de uma justiça que deve estar atenta às necessidades surgidas de momento a momento.

É da índole, aliás, do processo trabalhista lidar com relações jurídicas continuativas. A possibilidade de revisão, em caso de dissídio coletivo, é até expressa. Afinal, a relação de trabalho, em geral, e a de emprego, em particular, fulcro do Direito trabalhista, é, caracterizadamente, uma relação continuativa, tal como a esta se refere o art. 471-I do CPC. Relações jurídicas continuativas envolvem prestações contínuas pela prática de atos reiterados, periódicos ou não, como é, por exemplo, no primeiro caso, a prestação de alimentos e, no segundo, o fornecimento contínuo a pedido do credor. Mas o conceito de continuidade não se refere apenas aos atos materiais em que se decompõe uma relação ao longo do tempo, de modo que, também “se os diversos atos podem ser interpretados como conduta única, a prestação é contínua”, como assevera ORLANDO GOMES, citando VON THUR, para quem é exemplo de prestação contínua a que constitui objeto do contrato de trabalho, na obrigação que gera para o empregado. (Obrigações, Rio de Janeiro, 1997, p. 41).

É verdade que se trata de uma relação continuativa submetida a regras próprias, voltadas para a proteção do trabalhador, parte mais fraca em face do presumido poder econômico do empregador. Esse princípio, tão bem e fortemente realçado na obra de CESARINO JUNIOR, interfere na relação continuativa de emprego já pelos cuidados específicos referentes à duração do trabalho, à irredutibilidade dos salários, ao mínimo salarial, ao direito a férias, etc. Tudo isso faz da relação de emprego uma relação continuativa cuja álea obrigacional é fortemente presa a disciplinas legais explícitas. E ali onde o poder dispositivo dito normativo do juiz se exerce em função de circunstâncias, caso do art. 873 da CLT, a revisão é expressamente reconhecida e disciplinada. Isso, porém, não exclui, nos dissídios individuais, a possibilidade da ação de modificação no sentido que lhe deu o art. 471 do CPC, como visto anteriormente.

A ação revisional, pela amplitude que lhe confere a legislação vigente, tem uma extensão própria, não restrita a casos expressos pelo direito substantivo. Acontece que o art. 471 do CPC, ao contrário do antigo art. 289 do Código de 1939, deu à ação de modificação um sentido mais amplo que ela possuía quando conhecida como simples revisional em caso de alimentos ou de alugueres ou outras prestações assemelhadas. O referido art. 289, cujo caput era praticamente idêntico ao do atual art. 471, referia-se à ação de modificação para casos expressamente previstos (inciso I) - o art. 471 prevê esta hipótese no seu inciso II: "nos demais casos prescritos em lei" - e para a situação específica em que o juiz "tiver decidido, de acordo com a equidade, determinada relação entre as partes, e estas reclamarem a revisão por haver-se modificado o estado de fato". A disposição correspondente no art. 471, inciso I, é diferente desta última hipótese, ao prescrever : "se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença" (grifei).

A redação do art. 289 fazia pensar em relação jurídica que, no dizer de LIEBMAN (Eficácia e Autoridade da Sentença, São Paulo, 1945, p. 25 ss.), determinada pela sentença, continuava a viver no tempo, "com conteúdo ou medida determinados por elementos essencialmente variáveis, de maneira que os fatos que sobrevenham podem influir nela, não só no sentido de extingui-la, fazendo por isso extinguir o valor da sentença, mas também no sentido de exigir mudança na determinação dela, feita anteriormente” (p.28). Esse posicionamento levava LIEBMAN a relutar em aceitar uma tese de CARNELUTTI, para quem, nesses casos, a sentença era dada com a cláusula rebus sic standibus, posto que, deste modo, todas as sentenças dispositivas ficariam privadas da autoridade de coisa julgada. LIEBMAN, assim, sem recusar que, de certo modo, todas as sentenças conteriam implicitamente aquela cláusula, mostrava que, na ação sujeita a revisão, a relação estabelecida não se esgota pelo cumprimento de um ato, mas se prolonga no tempo, cumprida que é continuamente, sujeitando-se, no futuro, às circunstâncias de fato que lhe sobreviessem.

A disputa com CARNELUTTI, porém, tem o mérito de mostrar que tanto um como o outro, à luz, aliás, do disposto no art. 144 do Código Civil Italiano referente à condenação nos alimentos, pensavam a ação de modificação, restringindo-a à revisão de sentenças dispositivas que envolvam uma certa discricionariedade do juiz na fixação de prestações periódicas. Nesse sentido, dizia LIEBMAN, que, no caso das relações jurídicas determinadas na sentença e sujeitas a revisão, a atividade do juiz se exerce “ com certa medida de poder discricionário, destinado a permitir que se determinem as consequências legais conforme as exigências das circunstâncias concretas do caso examinado”.

Quanto ao art. 289 do Código de 1939, esse posicionamento se via fortalecido pela expressa menção a “quando o juiz tiver decidido, de acordo com a equidade”. PEDRO BATISTA MARTINS, em Comentários as Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, 1942, v. III, p. 357, admitia que, tal como no contrato de trato sucessivo, sujeito à teoria de imprevisão, se o ambiente objetivo em que se verifica a formação da sentença se modifica, de tal modo que se dificulte ou impossibilite efetivamente a realização dos fins por ela colimados, “a sua revisão se impõe, por força da cláusula implícita – rebus sic stantibus” (grifei). Por uma certa inércia, ao transladarem seus comentários sobre o art. 289 para o vigente art. 471, alguns autores ( como o citado MOACYR AMARAL SANTOS) mantiveram-se presos à rebus sic standibus. PONTES DE MIRANDA (op. Cit. p. 192) , no entanto, nota a diferença, embora não a explicite mais longamente. Assim, referindo-se à sentença definitiva, comenta que a redecisão das questões somente pode dar-se pela ação rescisória (a), que atinge a coisa julgada material (art. 485 e art. 486), ou, em caso de solução a respeito de relação jurídica contínua (art. 471- I), quando a sentença contém, explicita ou implicitamente, a cláusula de modificabilidade (b), ou, o que o Código não teria previsto (art. 471- II), quando há cláusula rebus sic standibus (c). Ou seja, a modificabilidade da sentença não se confunde com rebus sic standibus, embora não a exclua.

Penso que a menção, no texto do art. 471, a modificação no estado de fato ou de direito revela um sentido de modificabilidade mais amplo que o da cláusula rebus sic stantibus ou da teoria da imprevisão no sentido de uma alteração na base objetiva da relação em face de circunstâncias extraordinárias imprevisíveis, que nela provoquem um desequilíbrio. A imprevisibilidade, como a rebus sic standibus, tem a ver com os próprios fatos, não com o estado de fato ou de direito. A modificação na relação continuada não exige, necessariamente, imprevisibilidade (circunstâncias extraordinárias) nem discricionariedade na avaliação do caso examinado.

Como é modificação no estado de fato ou de direito, tem a ver com o comportamento das coisas (que os alemães chamam de Sachverhalt) e não com o fato (em alemão Tatsache). Pode ocorrer diante de modificação das premissas que fundamentam a decisão, desviando-a do seu sentido de dever-se. Ou seja, a compreensão das coisas é outra, mudou o estado de fato ou de direito. É o caso, por exemplo, numa relação continuada, de modificação (no estado de direito), situação em que vale a regra jurisprudencial: "A eficácia da sentença declaratória perdura enquanto estiver em vigor a lei em que se fundamentou, interpretando-a" (RSTJ 8/341 - grifei). O cerne da mudança não está no advento da lei nova, mas no de uma outra compreensão da situação (mudança no estado). Ou, no dizer de PONTES DE MIRANDA, "a ação de modificação, mandamental, importa 'embargos' à sentença, como se fosse 'ação' de embargos interpretativos do julgado se tal ação existisse, e não embargos ao mandado de execução, como os embargos de devedor" (op.cit. p. 200 - grifei).

A modificação pode ocorrer, portanto, em face de uma alteração normal e previsível (não extraordinária) no estado do fato (caso, por exemplo, da cessação das condições de insalubridade) ou no do direito e, pois, em sentenças que nada têm de discricionariedade. Tratando-se de relação jurídica continuada, o importante é que a modificação altere, num momento futuro, o sentido eficacial (seu sentido de dever-ser) da sentença prolatada no passado. Se modificação houve no estado de fato ou de direito no qual se fundamentou a decisão, a eficácia desta, ao longo do tempo, por ser continuada a relação, tem de ser restabelecida: preserva-se a coisa julgada material e, em se tratando de sentença preclusa que fez coisa julgada formal, atua-se por meio de uma nova ação (pois, havendo preclusão, não cabe mais recurso).

Não se trata, pois, em síntese, como no CPC de 1939, de uma ação que emerge de situações específicas, de leis substantivas especiais, como supõe CARRION (op. cit. p. 603), mas de uma ação com caracteres próprios, generalizada para relações jurídicas continuadas e em que ocorra mudança no estado de fato ou de direito. Ou, como diz PONTES DE MIRANDA, ela já existia a respeito de prestações alimentícias, até antes do CPC de 1939 e nele, por força do art. 289, sendo que, no CPC de 1973, "A generalização foi obra da ciência" (op. cit. p. 194). O que a torna inconfundível com o disposto no art. 289 do CPC de 1939, este sim circunscrito a situações específicas e a leis especiais, sem a generalização do art. 471 do CPC vigente.

A modificação no estado de fato ou no estado de direito merece uma consideração mais detida. A superveniência de modificação no estado de fato pode ocorrer ou porque há fato novo, imprevisível, ou porque o fato previsível ocorreu (por exemplo, se esgotou – caso da insalubridade). Numa relação continuativa, a modificação no estado de direito pode ocorrer ou porque houve uma alteração legislativa ( a coisa julgada não impede que lei nova passe a reger diferentemente os fatos ocorridos a partir de sua vigência – RTJ 89/344, 117/516, cf. T. NEGRÃO, CPC, art. 471, 26ª ed. p. 354) ou porque uma mudança firme na interpretação jurisprudencial provoca uma modificação nas conseqüências jurídicas, o que implica que o estado de direito deixa de ser o mesmo ( por exemplo, a interpretação de uma norma constitucional pela jurisprudência acarreta a inconstitucionalidade de um dispositivo legal; depois esta jurisprudência se altera e o dispositivo, antes julgado inconstitucional, passa a ser reiteradamente e em instância mais alta considerado constitucional) - sobre este último leia-se ALCHOURRÓN e BULYGIN, Introducción a la metodologia de las ciencias jurídicas y sociales, Buenos Aires, 1974, p.140. Não se trata de efeito vinculante (o que, de certo modo, equipararia uma súmula nova à alteração legislativa), mas de uma alteração nas proposições de base de uma interpretação, tornada firme numa direção antes impossível ou incerta. Ora, estas diferentes possibilidades trazidas pelo art. 471 têm implicações importantes para a sentença obtida numa ação de modificação.

A doutrina, desde quando analisava a ação revisional com base no CPC de 1939, vem entendendo que os seus efeitos são ex nunc, isto é, produzem-se a partir de sua propositura. Entendo que esta interpretação está ligada aos pressupostos do art. 289 do Código anterior, mormente à ação revisional de alugueres ou de alimentos, ambos os casos referidos à imprevisão e a certa discricionariedade. Diferente me parece a hipótese prevista no caso de alteração no estado de fato e no estado de direito por razões que nada têm a ver com discricionariedade e com superveniência de fatos extraordinários. Parece-me óbvio que, no caso de cessação de situação – insalubridade -, nada obsta que se peça em juízo a suspensão do devido ou das parcelas posteriores àquela modificação do estado de fato. O mesmo, a fortiori, vale para a modificação no estado de direito. No exemplo da alternativa jurisprudencial – inconstitucionalidade/constitucionalidade – isto é de todo evidente. Se o estado de direito de que fala o art. 471 do CPC é um sistema norma/interpretação, a relação continuativa tem de admitir o pedido de modificação do estatuído em sentença ( jurisprudência pela inconstitucionalidade). Na verdade, a conseqüência modificadora na hipótese de alteração no sistema norma/interpretação – consequência normativa não é diferente do que sucede na hipótese de alteração da própria legislação (por exemplo, na relação continuativa, uma concessão , por lei, de um adicional percentual, seguida de sua supressão, também por lei). O efeito da sentença de modificação, em todos esses casos, há de ser desde a ocorrência da mudança e não da propositura da ação. Afinal, em nenhum desses casos se trata de discricionariedade nem de superveniência de fatos imprevisíveis.

Aliás, a questão da natureza jurídica da sentença que acolhe o pedido de revisão, mesmo quando identificada às hipóteses da rebus sic standibus e da imprevisibilidade a ela associada (alugueres, alimentos), já era controvertida. ALFREDO BUZAID (Da Ação Renovatória, São Paulo, 1981, v. II, p. 433 ss.) nos dá conta da divergência, mostrando que PAULO RESTIFFE NETO (Locação, Revista dos Tribunais, 1979/155) a entendia como de natureza constitutivo-condenatória. PONTES DE MIRANDA, como já mencionei, pensa-a como mandamental. O próprio ALFREDO BUZAID preferia ver nela uma natureza condenatória quando a ação visasse a um aumento do quantum fixado na sentença, modificanda e constitutiva, quando visasse a uma diminuição. Pelo que se percebe, se já anteriormente a questão era controvertida, agora muito mais com a diversidade das hipóteses agasalhadas pelo art. 471 do CPC vigente. O importante, diante disto, é não submeter a realidade jurídica à camisa de força das classificações, procurando entender as situações e as correspondentes consequências de uma forma operacional, adequada às necessidades da justiça e da Justiça.

Entende-se, nesse sentido, que a sentença de revisão, ao modificar sentença anterior, determina uma alteração em sua eficácia para adequá-la à situação nova. Ao fazê-lo, porém, não lhe altera a autoridade de coisa julgada material. Ela, assim, aperfeiçoa a eficácia da sentença anterior, em face da mudança ocorrida, para a relação continuativa. Portanto, este efeito de adequação deve estar dependente da natureza da sentença modificanda. Ora, se esta é declaratória ou condenatória ou constitutiva, a sentença revisional, apenas adequando-lhe a eficácia, também será ou declaratória ou condenatória ou constitutiva.

Aqui, por fim, impõe distinguir: a) sentenças declaratórias e condenatórias devem reconhecer os efeitos na extensão abrangedora do lapso de tempo desde a ocorrência dos fatos a respeito dos quais se controverte, produzindo efeitos ex tunc; b) com as sentenças constitutivas, o efeito é ex nunc e, excepcionalmente, ex tunc (ARRUDA ALVIM, Direito Processual Civil — Teoria Geral do Processo de Conhecimento, São Paulo, 1972, v. I, p. 70). Dependendo do caso, o efeito da sentença revisional será um ou outro.

Em resumo

Entende-se cabível, no processo trabalhista, a ação revisional de que trata o art. 471-I do CPC. Em primeiro lugar, como já esclarecido, porque, por força do art. 769 da CLT, ele é aplicável subsidiariamente ao processo trabalhista. A doutrina reconhece a omissão da CLT e a ação de modificação não só preenche a lacuna, como é adequada aos princípios do processo laborial. Ademais, a jurisprudência vem realizando esta aplicação em relações continuativas no âmbito do Direito do Trabalho. A relação de trabalho é manifestamente continuativa não só no sentido de diversos atos interpretados como uma conduta única - a prestação do serviço, nestes termos, é contínua desde o momento em que está o trabalhador à disposição do empregador -, mas também pela prestação de atos reiterados e periódicos, como as prestações salariais e de tudo que compõe a remuneração, por parte do empregador

Fonte: Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP. v. 5, 2002, Síntese, São Paulo, 2002, pp. 97-104.

Texto digitado e organizado por: Gabriela Faggin Mastro Andréa.