Aplicação da legislação antitruste

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

 

Muito obrigado. Meus cumprimentos à mesa e a todos. Passo imediatamente à discussão do tema principiando por dizer que, de certa maneira, na forma como ele vem proposto, obviamente ele interfere ou cruza diretamente com a exposição brilhante feita pelo Franceschini.

A questão, no entanto, tem uma peculiaridade e gostaria de chamar a atenção para essa peculiaridade. Para não me tornar repetitivo (nem tornar repetitiva a apresentação), gostaria de me circunscrever a essa questão da política de Estado e da política de governo na aplicação da lei de concorrência.

Obviamente, as noções não são absolutamente claras - o que é uma política de Estado e o que é uma política de governo. A intuição nos diria que a política de governo tem por característica fundamental a sua provisoriedade; depende do governo e a ele está ligada.

A política de governo vem na esteira de uma política programática,

que está nos programas eleitorais e que depois se consagra no exercício

do governo. Portanto, quando penso em política de governo, a primeira

coisa que devo pensar é na sua provisoriedade.

Ao contrário, quando penso na política de Estado, devo imaginar que não trato dessa provisoriedade, mas estou mais ligado a objetivos permanentes ou de objetivos que tenham uma permanência maior (tudo é provisório na vida) e porque seu fundamento jurídico é dotado dessa permanência. A lei tem uma provisoriedade. Toda lei se revoga (pode ser revogada a qualquer momento por uma outra lei, ou a lei entra em desuso - e nesse sentido ela também se revoga) mas existem certos objetivos que constam da estrutura jurídica e que gozam dessa permanência. Esses objetivos estão em leis (cuja permanência é reconhecida, por exemplo - Leis complementares), ou em normas cuja permanência é pressuposta (as normas constitucionais), ou seja, diria que quando falamos em política de Estado, estamos nos referindo basicamente à Constituição - àqueles traços mais permanentes que a Constituição confere ao Estado, aos seus objetivos, aos objetivos de promoção da própria sociedade, de desenvolvimento da sociedade, etc. de outro lado, há a política de governo como aquele tipo de programação dotado da provisoriedade ligada à provisoriedade do governo, a programas partidários, conjunturais etc. Portanto, para definir inicialmente os dois termos (que são vagos e ambíguos), usaria a provisoriedade como característica e a referência constitucional como um elemento importante para distinguir um do outro.

Surge aqui uma questão subsequente, relativa à aplicação da legislação antitruste. Podemos pensar nessa aplicação tanto no que se refere ao capítulo das infrações e ao processo administrativo de apuração e punição de infrações, como podemos pensar também no processo administrativo referente à aprovação de atos e contratos.

No que se refere ao capítulo das infrações, haveria a possibilidade de interferência de uma política de governo na aplicação da lei em termos de infração? Isto é complicado, mas não absolutamente impensável. (E aqui entra, talvez, o grave da questão). Não é impensável na medida em que poderíamos imaginar que aquilo que está no artigo 54 da lei (digo que não é impensável mas adianto, desde logo, que esta não é a minha opinião), na forma em que veio redigido (uma redação infeliz), nos leva a pensar nessa hipótese. Recentemente, ouvi do Ministro da Justiça uma observação do seguinte teor: afinal, o caput do artigo 54 é praticamente igual ao do artigo 20: "Os atos sob qualquer forma manifestados que possam limitar ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência...", ou seja, nitidamente estamos falando aqui de um tipo, tipo esse que vai caracterizar abuso de poder econômico e que, portanto, poderá ser punido como infração. Assim, a impressão que dá é a de que neste caso, no artigo 54, estamos tratando daquilo que nos artigos 20 e 21 é tratado como infração e que possivelmente poderá, em nome das eficiências, ser contornado, perdoado, legitimado.

Alguns autores tradicionais do Direito Administrativo brasileiro como o José Cretela, ao comentar este artigo afirma que: "Isso é um absurdo, não faz sentido. Pelo menos na cultura brasileira não há como "contornar" a infração. A infração existiu ou não existiu. Ou se pune ou não se pune. O que está no artigo 54 seria absolutamente insensato". Talvez ele tenha razão num certo sentido, quando pensamos que esta interferência, via artigo 54, no procedimento punitivo (a legitimação, a priori, de uma conduta que seria uma infração, poderia levar, por meio da questão das eficiências, da relação do cálculo, enfim, da introdução de uma forma de pensar nitidamente econômica, que se guia muito mais pelo benefício (a relação do cálculo custo/benefício) a interferências realmente de políticas governamentais que estariam a serviço da legitimação de condutas infrativas nos acordos, nos compromissos, que nos compromissos relativos a desempenho ou até, na forma da desconstituição de atos, influenciando, portanto, o processo punitivo. Neste caso, teríamos eventualmente essa presença da política de governo até mesmo quando a Constituição determina que a lei reprima o abuso do poder econômico.

Tenho para mim que isso não deve ser interpretado (pelo menos no espírito da legislação brasileira) dessa forma. A meu ver, ainda que o artigo 54 tenha, na letra da lei, no seu caput, uma semelhança óbvia com o que disciplina o artigo 20, ele trata de outra coisa, ou seja, aqui não estamos falando daquelas infrações. Portanto, no artigo 54, não estamos diante de possibilidade de infração - e até em termos de bom senso: seria uma total loucura exigir de empresas que se apresentassem à Secretaria de Direito Econômico para dizer: "Estou na iminência de cometer uma infração, por favor me digam se estou correto, ou não". Isso é absolutamente insensato. Portanto, uma coisa não pode ser confundida com a outra já por essa consequência absurda.

Tenhamos, pois, por assentado que, na aplicação da lei, tratando-se de infrações, prevalecem as políticas de Estado, ressalvado o caso em que políticas de governo, de uma forma até inconstitucional, tenham tornado ineficazes aquelas políticas (por exemplo, como acusar de cartel empresas que são chamadas para uniformizarem preços numa câmara setorial).

Vejamos, pois, como entram políticas de governo na apreciação prévia de atos e contratos. A lei vigente começa a dizer, no seu artigo 1º, seus objetivos, disciplinando o seguinte: esta lei dispõe sobre a prevenção e a repreensão às infrações contra a ordem econômica, etc. Aqui só aparecem duas palavras: prevenção e repressão (o que facilita de novo aquela interpretação curiosa: se só tenho prevenção e repressão, o que faz o artigo 54 aqui? Será que ele é uma forma de prevenção?). Pelo que acabei de dizer, não deve ser entendido assim. Portanto, esta lei não trata apenas de prevenção e de repressão, como seu artigo 1º faz crer, ele trata de outras coisas. E o que é essa outra coisa? O Dr. Franceschini já discutiu largamente o problema dentro dos quadros do artigo 54 e dentro da Constituição. Será que podemos falar aqui em controle? A Constituição baniu esta expressão já no processo constituinte - não há intervenção do Estado no domínio econômico em termos de controle. As funções atribuídas ao Estado na ordem econômica do artigo 170 ou do artigo 174 são as funções de regulação, fiscalização e planejamento; o Estado atua normativamente, portanto, por meio de leis, e, no exercício dessas funções o que podemos perguntar é se existe espaço para esta forma de intervenção no domínio econômico que, se não é controle é, sem dúvida, ou fiscalização ou regulação ou planejamento. Aprovar ou não, tendo em vista a obtenção ou não de eficiências, uma operação empresarial, resulta numa atividade da autoridade que pode, eventualmente, suspender um ato que, por pressuposto, tem a característica da legalidade: quem faz um contrato, quem realiza uma joint venture o faz dentro dos limites da legalidade.

Portanto, o ato é plenamente legal e, no entanto, procuramos essa aprovação junto à autoridade, em última instância, no CADE.

Com que base constitucional o Estado está atuando aqui? A meu ver, o fundamento básico da atuação do Estado, neste domínio, não está na Ordem Econômica, não está no artigo 170, nem nos seguintes, mas nos Artigos 218 e 219 da Constituição, ou seja, está dentro de uma outra ordem na Ordem Social da Constituição (o Título 8º). O artigo 218 diz o seguinte: "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas". Aí vem: "A pesquisa científica receberá tratamento prioritário do Estado".(Tudo isso aqui é política de Estado)."A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução de problemas brasileiros, para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional".(Tudo isso aqui é política de Estado). Terceiro, "O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de Ciência, etc...", "A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, em criação de tecnologia adequada ao país, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos, que pratiquem sistemas de remuneração, que assegurem ao empregado desvinculado do salário participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho". (Mais uma vez, política de Estado). E quinto: "É facultado aos Estados estruturar, vincular parcelas de sua receita...". (Bom, aqui temos um instrumento técnico, mas também em termos de política de Estado). Aí vem o artigo 219: "O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural, socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país nos termos da Lei Federal". Embora isso esteja no Capítulo 4º do Título referente a "Da Ciência e Tecnologia", aqui encontramos, na Constituição, o fundamento para aquela atividade do Estado em relação à concorrência. O artigo 54 não tem a ver com abuso de poder econômico. Não está ligado à ordem econômica nos termos do artigo 173 § 4º, mas sim à preservação do mercado como patrimônio nacional (art. 219), onde estão traçadas linhas de política de Estado. Não obstante, como é que as políticas de governo entram na aplicação do mesmo art. 54 da Lei 8.884/94?

Se examinarmos o problema mais de perto, observaremos o seguinte: o governo, como uma de suas tarefas - e isso deveria ser feito por meio de lei (por exemplo, uma lei pragmática) embora, na prática,acabe por vezes, sendo estabelecido por meio de decretos, ou apenas às vezes por anúncios de tarefas, promessas a serem cumpridas, o governo, sem dúvida, termina por interferir na apreciação, de atos e contratos, na análise de atos de concentração, na medida em que é sua função, como governo, traçar política industrial, política comercial do país, examinar conjunturalmente (tendo em vista o período de governo) o que deverá ou não ser incentivado, aquilo no que está interessado e aqui podem surgir conflitos. Onde estão os pontos conflitantes? Por exemplo, na invocação das necessidades do mercado brasileiro interno em relação com o mercado externo? Isto é, "Em que medida o aparelhamento do país para enfrentar a concorrência externa deve ser uma prioridade num determinado momento conjuntural?" É claro que isso tem a ver com política de governo; a relação com o mercado externo, que está na Constituição, é uma relação muito mais neutra, de absoluto respeito e se encontra no artigo 4º da Constituição. Aqui falamos em independência nacional, prevalência de direitos humanos, auto-determinação, não-intervenção, igualdade entre Estados, defesa da paz e isto é política de Estado brasileiro nas suas relações internacionais. Mas, em termos de política de governo, o que existe é uma monumental competitividade internacional. E aqui, conjunturalmente, o que acontece? Temos que levar em consideração os efeitos dos atos e contratos internos em face dos interesses nacionais, até mesmo contra os interesses dos concorrentes internacionais. Isto afeta, na avaliação, a política de Estado? Acaba afetando, pois isto não está na Constituição brasileira, que não diz que o Estado brasileiro deverá se aparelhar para enfrentar, a todo custo, a competitividade de empresas de outros Estados. Isto não está dito ali e é um problema de política de governo a afetar a política de Estado. Isto acontece também com o problema da instrumentalização dos atos e dos contratos oferecidos à apreciação da autoridade, tendo em vista a própria promoção da atividade interna, a própria política industrial interna. Também isto faz parte de política de governo e aqui existir a chamada "colisão de interesses". (Isto torna realmente a questão às vezes complicada).

Existem casos em que a nossa lei prevê como enfrentar esse problema de colisão de interesses; imagine que viesse para o mundo

empresarial lato sensu uma norma, como veio para o setor bancário,

promovendo os acordos e as fusões que estão ocorrendo. Como é que se deveria apreciar essa lei? Ela seria, de princípio, constitucional? Estaria ferindo a lei da concorrência? Como deveríamos julgar isso? É aqui que surge o problema das colisões.

Em termos de colisão, parece-me que ela pode acontecer, por exemplo, na política de governo voltada para o fomento de um certo desenvolvimento tecnológico e, portanto, tendo em vista a criação de cartórios (isso já aconteceu na nossa vida econômica), limita-se a competitividade e favorece-se, com isso, um desenvolvimento tecnológico. Isto é programa, isto é, política de governo que interfere na política de Estado, em que a concorrência é um dos princípios fundamentais. Esse tipo de medida - medidas de interesse social, desemprego: "facilitar as fusões, porque eventualmente...", "impedir isto e aquilo, tendo em vista a possibilidade de emprego..." ou "obrigar que os empregos sejam mantidos", isso pode ser conjunturalmente política de governo. As colisões com a política de Estado, traçada na Constituição, podem aparecer. É evidente que uma das funções do intérprete é trazer isso a uma harmonia. No entanto, como devemos raciocinar quando ocorrem essas colisões?

Aqui entra talvez um eventual conflito entre os raciocínios jurídico e econômico; o raciocínio econômico guia-se mais pela finalidade, fazendo cálculos, e o raciocínio jurídico guia-se mais pelas premissas. Em termos do raciocínio jurídico, a impressão é de que a política de Estado tem que prevalecer sobre a política de governo: Se houver conflito, a política de Estado prevalece, ainda que em termos de benefícios no cálculo de custo/benefício, uma eventual aprovação de algum contrato, etc., pudesse, não só a curto, mas até a longo prazo, favorecer-se o desenvolvimento tecnológico, etc., ou até mesmo favorecer o enfrentamento que o país terá que fazer nas competições internacionais. Isto é, do ponto de vista jurídico não há como sair, a Constituição tem que ser respeitada e os traços que ela estabelece para o que chamei aqui, interpretativamente, de política de Estado prevalecem sobre os programas governamentais - quando houver conflito.

A interpretação, porém, nunca deve visar a inaplicação da lei, mas, ao contrário, deve sempre criar condições para que a lei seja aplicada. O bom senso diz que o que se deve buscar é a harmonização, e, na aplicação do artigo 54, sob o prisma das políticas de Estado, de traço constitucional, as políticas de governo devem ser valorizadas e adequadas àquele traço constitucional.

Muito obrigado.

SESSÃO DE DEBATES

MODERADOR: DR. ALBERTO VENÂNCIAO FILHO

A hora esta avançada mas estamos abertos ao debate.

DEBATES

CONSELHEIRO ANTÔNIO FONSECA

Parabenizo o Professor Franceschini bela clareza da sua exposição e precisão dos conceitos - o que não é nenhuma surpresa! Professor Franceschini, a Constituição estabelece em algum lugar (não me lembro em que artigo) a proteção da força de trabalho em face à automação. Minha pergunta é: existe algum viés entre essa regra e a eficiência inovativa? Como o senhor poderia estabelecer um traço conciliatório entre essa regra e a eficiência inovativa? Muito obrigado.

DR. FRANCESCHINI

Eu disse que ia procurar sarna para me coçar quando pegasse algum conceito econômico, portanto, vamos ver se consigo resolver esta bagunça. Eu diria o seguinte: em primeiro lugar, é claro que o objetivo da lei antitruste é procurar alcançar a eficiência econômica porque esta resulta no bem-estar social, no bem-estar coletivo. Esta é a primeira hipótese de consideração do julgador, na minha opinião. Portanto, a primeira medida deve ser a prevalência de eficiências que possam até prejudicar - esse é um conceito difícil de ser dito em tese, mas em princípio - que possam até prejudicar o bem-estar imediato se houver um ganho de bem-estar social futuro muito maior do que o prejuízo momentâneo, mesmo porque a economia tem seus mecanismos de reabsorção (por exemplo, de mão-de-obra que não seja mais utilizada em função de avanços tecnológicos). O que procurei dizer é que na análise das eficiências, se estas forem mais ambíguas, devem prevalecer temas não-econômicos como, por exemplo, temas sociais. Não cabe à Legislação de Defesa da Concorrência, primordialmente, tratar de questões de natureza social, por exemplo. É um tema, um item a ser considerado no conjunto global da aplicação da Lei de Defesa da Concorrência. Pode parecer um pouco cruel dizer isso, mas existem leis e políticas de governo que procuram cuidar dessas outras matérias. Minha preocupação é a de que não se mesclem disciplinas, porque estas geram desvios - é o que se tentou fazer quando se procurou controlar preços através da Legislação de Defesa de Concorrência, quando se tentou colocar o conceito de direito do consumidor na Lei de Concorrência; são disciplinas afins, há uma inter-dependência, mas cada uma tem seu propósito. Não estou dizendo "Que bom que estou fechando uma fábrica porque estou criando uma outra fábrica com maior eficiência". Não, a finalidade da lei me leva a dar prioridade a determinados escopos. É nesse sentido que procurei fazer minha manifestação. Espero ter respondido.

DR.PEDRO DUTRA

Queria cumprimentar os dois palestrantes, começando pelo Dr.

Franceschini que pôs - e nunca é muito fazer isso - em boa ordem esses

conceitos que vêm sendo confundidos e, sobretudo, os assaltos

reacionários à Lei da Concorrência, como controle de preços, preços

abusivos, isso tudo, que jamais deveriam entrar aí. E também ao

Professor Tércio, lembrando um autor que ele conhece muito bem, o

Professor Miguel Reale, que diz que o grande avanço da Constituição

atual (embora contraditória), ao definir a ordem econômica ele a diz que

o grande avanço se tem no Artigo 173, que diz: "O planejamento estatal

é obrigatório para o setor público e indicativo para o setor privado",

lembrando que a livre iniciativa e a livre concorrência são princípios

complementares, e não antagônicos. O Professor Reale diz isso citando,

inclusive, Pontes de Miranda. Por quê? Porque se o governo quiser fazer

política, que faça por meio de leis para que se reduza o que Pontes de |

Miranda chamava "o quanto despótico do governante", ou seja, o

governante não tem vontade fora da lei; sua vontade não pode condicionar um órgão (inclusive feito independente pela lei). Segundo o Professor Miguel Reale, o governante não tem vontade nesse sentido que não seja aquela da lei. Para completar, se a lei confrontar-se ou fizer com que colhidos interesses com uma lei anterior - essa é uma decisão do Judiciário; haverá uma decisão do Judiciário para dirimir, então, os espectros de competência e de incidência das normas. Mas quero dizer que é fundamental que se defina (como fez o Professor Tércio) o que é política de Estado e o que é política do governo, colocando esta última em seu lugar, pois sabemos que política do governo no Brasil, historicamente (como também lembrou o Professor Tércio), está associada ao mando que é a teoria política de governo que até hoje mais floresceu entre nós. Muito obrigado.

CONSELHEIRO ANTÔNIO FONSECA

Não é meu desejo contraditar as conclusões do Dr. Tércio no que concerne a interferência da política de governo na política de Estado. Só queria ressaltar que a interferência do governo do dia -especificamente no que concerne à política de concorrência - é um fato palpável nos países industrializados (Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, etc.). Sempre foi assim historicamente e continua sendo. Se isso é um fato imperativo, o Direito não prestaria melhor serviço não negando essa interferência, mas limitando-a através dos mecanismos jurídicos legítimos? Muito obrigado.

DR. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ

O reconhecimento dos fatos pelo Direito sempre assume a forma normativa, portanto a forma de um dever. É evidente que quando fiz a oposição entre a política de governo e a política de Estado, em nenhum momento quis ignorar o fato de que existe essa interferência (não há dúvida) e que essa interferência é, inclusive, mais efetiva do que possamos pensar até (em algumas circunstâncias) à margem da lei, também não se discute.

Acho que sua observação é correta, não quis entrar nesse assunto, mas o problema ao qual fomos levados, o problema que levantei foi: em havendo um conflito, o que prevalece, do ponto de vista jurídico? O segundo problema (que é esse que, se eu entendi bem, está sendo levantado) é: como, de um ponto de vista jurídico, podemos administrar e viabilizar a interferência para que ela não se faça à margem? Aqui encontro algumas dificuldades na legislação brasileira: ela pode ser (por exemplo, no caso dos atos de concentração) apreciada no Artigo 54, na análise das eficiências. Sem dúvida nenhuma, quando se faz a análise do aumento (por exemplo, "Tendo por objetivo cumulado alternativamente aumentar a produtividade, melhorar a qualidade de bens e serviços, propiciar a eficiência de desenvolvimento tecnológico ou econômico, etc.", aqui é possível colocarmos também considerações de política de governo e essa questão se coloca, a meu ver, não só no Brasil, mas também em várias legislações. O problema que se coloca aqui é: qual é o critério básico? A meu ver, esse efeito que pode provocar a política de governo na apreciação, por exemplo, das eficiências, tem que ser visto - e aqui a única saída é uma saída hermenêutica - como complemento. Isto é, quais os efeitos, tendo-se em vista a política de governo, na concorrência do país e como isso deverá ser apreciado? O único caminho é hermenêutico: o lugar, o locus normativo está aqui. Agora, o que, a meu ver, deve prevalecer é a prioridade dos pontos de vista da política de Estado. O caminho é, em primeiro lugar, via hermenêutica na apreciação daquilo que a nossa lei chama de condições e que tem sido chamado de eficiências.

Em segundo lugar, há um outro caminho que também está na lei, no Parágrafo 2°: "Também poderão se considerar legítimos os atos..." (todos conhecem isso) e aqui vem: "...quando necessários por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum". Aqui também entra, via hermenêutica, a consideração da política de governo dentro da idéia da política de Estado. Esses são os caminhos que temos dentro da lei. O outro problema complicado (e bastante complicado) é saber em que medida pode ou não haver uma direta interferência do governo nas decisões da autoridade administrativa do tipo CADE. Há legislações que preveem isso expressamente. (A legislação alemã prevê isso expressamente. É a chamada permissão ministerial; o Kartellamt (a agência de cartéis) toma uma decisão contra, recorre-se ao ministro e este muda aquela decisão; aquilo é previsto expressamente na legislação). Isto é um outro caminho. E o caminho aí é uma questão de ordem de política legislativa; se isso convém ou não é uma questão de política legislativa. Recentemente, li um trabalho de um autor alemão (aliás, uma autoridade nesses assuntos - Ulrich Imengar) em que ele aprecia esse problema dentro da comunidade. Ao final, depois de considerar a interferência política nas decisões da comunidade, conclui dizendo que vê com cautela um grande risco de discricionariedade na interferência política das decisões da Comissão Europeia, isto é, ele olha com suspeita - embora seja alemão e reconheça que o instituto existe. Portanto, eu diria que esse outro lado da disciplina dessa interferência da política de governo na política do Estado - que é a questão do recurso, do recurso a uma autoridade - é uma questão realmente muito complicada e percebemos que essa complicação depende também de usos, de cultura. Na Alemanha não veem isso com grande cuidado por ser algo que já entrou dentro da cultura. Recentemente, li também um artigo em que se fala o que está acontecendo na Alemanha - estão mudando a lei - e o recorte do jornal fala de uma mudança muito suave; o destaque é para a manutenção da permissão ministerial, ou seja, ninguém ousou tocar neste ponto. Portanto, de um lado eu diria que os instrumentos são hermenêuticos (os instrumentos jurídicos) e portanto teríamos que dizer aqui que os limitadores são de dogmática jurídica, são questões de procedimento, limitação a abuso, abuso de autoridades - são esses elementos que temos que usar - verificação de se... por exemplo, na interpretação do Franceschini, que eu acho correta; que aquele "poderá autorizar" significa "não poderá deixar de autorizar" - portanto o ato é vinculado, não é discricionário. Esses são os elementos que vão nos permitir balizar.

A outra questão (que não está na nossa lei) é o problema da interferência direta do governo com a sua política de governo. Na prática, uma questão que me parece importante (mas também é apenas prática e talvez não tenha a ver tanto com a questão da lei) na medida em que nossa lei prevê (por exemplo, no caso dos atos de concentração) o parecer do Ministério da Fazenda e o do Ministério da Justiça, acho que compete à autoridade final (o CADE), dar a devida atenção, por exemplo, ao parecer do Ministério da Fazenda, porque aquilo é um parecer, não é uma decisão do Ministério da Fazenda, é uma parecer; aquele é o momento em que as políticas de governo podem aparecer, surgir. No parecer elas surgem naquele momento. Portanto, acho importante que o CADE veja isso com olhos interessados, atentos, o que é que o governo tem a dizer sobre isso? Essas são as formas que vejo, na nossa legislação, pelas quais se disciplinaria essa interferência de política de governo nas políticas de Estado.

DR. RICARDO SAYEG, ADVOGADO

A observação que eu tenho a fazer, inicialmente, é em que pese a profunda admiração que tenho pelo Dr. Franceschini, já vem da história da nossa amizade, do convívio, essa sintonia de convicções. Tenho para mim que a Lei 8884 é instrumento direto de defesa do consumidor. Primeiro, quando fala do consumidor lá no início e depois quando faz remissão ao Código de Defesa do Consumidor em seu Artigo 29 demonstrando, inclusive, o nítido entrosamento entre eles. Vejo que quando o consumidor vai se proteger contra um pequeno comerciante que não se enquadra na titularidade de posição dominante, ele tem o Código de Defesa do Consumidor como defesa, mas quando o consumidor vai se proteger de uma grande empresa que se enquadra na titularidade de posição dominante, ela tem essa legislação em seu favor. Inclusive, esse é o critério que tem sido utilizado pela Promotoria de Defesa do Consumidor em São Paulo, que já proporcionou alguns resultados, como o caso de um remédio cujo nome não me lembro bem agora (Diabinese ou Diabenzine), no qual houve uma condenação à indústria farmacêutica, conforme o que foi divulgado pelos jornais e pelo próprio clipping do IBRAC. Ou seja, a lei, da forma que foi colocada, é instrumento de defesa do consumidor (inclusive defendi tese que foi aprovada nesse sentido pela PUC: como esse tipo de instrumento em favor da tutela jurídica do consumidor, de modo que a matéria é única nesse sentido, além da defesa da concorrência, que a lei também trata).

DR. FRANCESCHINI

Em primeiro lugar, só posso dizer que me sinto honrado pelo comentário que me foi dirigido por um colega de tal escopo e lamento discordar, porque não acho que seja pelas inconstitucionalidades que são introduzidas na lei que se pode dizer que essa lei tem o mesmo objetivo de outra lei. Acho que a interpretação deve ser clara: qual é a finalidade de uma lei de concorrência? A finalidade da lei de concorrência não é o mesmo conceito de defesa do consumidor; temos bens jurídicos distintos, titulares de bens jurídicos distintos, as matérias são distintas e sabemos perfeitamente que essa tentativa de inserção do direito do consumidor na lei de defesa de concorrência foi uma tentativa de desvio de finalidade social. Não estou dizendo que não deva haver -como há - uma Lei de Defesa do Consumidor, como há uma Lei de Defesa da Concorrência. A própria inserção do conceito de aumento abusivo de preços (que na minha opinião é uma excrescência jurídica tal como redigida) é inócua, tal como a remissão genérica à defesa do consumidor. O conceito de aumento abusivo de preços é inócuo porque, como todos sabemos, aquela relação didática do Artigo 21 da lei se remete diretamente ao Artigo 20 - ali estão os tipos puníveis e apenas aqueles - portanto o aumento abusivo de preços só pode ser uma infração à ordem econômica na medida em que gere uma dominação de mercado (o que é difícil de imaginar), ou uma eliminação de concorrente (o que é difícil de imaginar), pode haver um conceito de aumento arbitrário de lucros, que é um conceito inteiramente diverso do aumento abusivo de preço - não tem absolutamente nada a ver. Portanto, com todo respeito à tese do colega, que foi brilhantemente defendida - e vão aqui os meus respeitos profundos - mas acho que a tentativa de utilização de normas para fins diversos não serve ao progresso da ciência jurídica e muito menos do direito positivo brasileiro. Agradeço, de qualquer forma, a sua observação, com muito respeito.

CONSELHEIRO ANTÔNIO FONSECA

O princípio da subsidiariedadE foi levantado com a assinatura do Tratado de Maastricht e aqui nesse material que o senhor distribuiu, itens 18 e 19, é dado um conceito para o princípio da subsidiariedade, muito discutido na Inglaterra, por exemplo, em toda a Europa. A minha pergunta é: este conceito colocado aqui nos itens 18 e 19, especificamente o princípio da subsidiariedade no que concerne às competências entre a Comunidade como uma estrutura centralizada e as competências locais de cada país, não é? Este conceito que está aqui é definitivo, geralmente aceito no âmbito da Comunidade ou há alguma discrepância?

DR. JUAN ANTÓNIO RIVIÈRE MARTÍ

Muchas gracias! Lê agradezco que haya comentado el documento será distribuído, es solo Ia introducción del informe de competencia del año 95 que el IBRAC tiene Ia gentileza de distribuirlo con todos los documentos de Ia conferencia después. Les he dado Ia introducción para que tuvieran un poco de gusto de como se desarrolla Ia política. El punto 18 está también en contato con el punto 19, está en contacto con el punto 18. El punto 18 dice claramente que el principio de subsidariedad exige que sea Ia autoridad más adecuada Ia que intervenga. Esto es un principio para facilitar Ias soluciones de los temas en líneas generales en toda Ia política comunitária que se intenta aplicar como filosofia de gestión. No es un principio jurídico en el puro sentido. Se intenta interpretar ahora, en los últimos años, como hay que entender Ia subsidariedad y Ia subsidariedad se entiende desde el punto de vista práctico, pasar ai Estado Ia solución de Io que el Estado puede hacer mejor. En este sentido si esto Io quiere considerar como un principio jurídico, Io puede, pero es más bien un concepto de gestión de Ia Unión Europea. En el tema de ayudas específico, tiene otro sentido y es que Ias ayudas del Estado, tiene Ia Comisión Ia competencia exclusiva de controlarlas. Entonces Io que quiere decir en este punto es que precisamente aquí conviene que no haya subsidariedad, que sea el Estado el que realmente controle Ias conductas en los casos de subsidio del Estado, que tiene un sentido un poco distinto - el párrafo, no el principio.

MODERADOR DR. ALBERTO VENÂNCIO FILHO

Eu acho que as três discussões desta última sessão podem levar a gente a discutir até de madrugada mas a hora esta avançada e há pessoas que precisam retornar.

Em nome do IBRAC eu queria agradecer a presença de todos os senhores e esperamos muito em breve reuni-los novamente em outros seminários, agradecer a todos que colaboraram com a realização desse evento, especialmente a Transbrasil que facilitou o transporte.

Esta encerrada a sessão.

Fonte: Revista do IBRAC, nº ___, 1996 pp.124-138.

Texto digitado e organizado por: Gabriela Faggin Mastro Andréa.