Como regular agências reguladoras?

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

O noticiário político tem mostrado um certo constrangimento, para não dizer inconformismo, do poder político em face do poder regulador concedido às chamadas agências reguladoras. Mais recentemente, o embate veio à tona pelo posicionamento do ministro das Comunicações com relação à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que culminou com a edição do decreto nº 4.635/03, que estabeleceu competência à Secretaria de Telecomunicações do ministério para orientar, acompanhar e fiscalizar, além de supervisionar, a própria Anatel.

As agências, no Brasil, surgem por conta do processo de privatização e da disciplina das concessões. Nesse sentido, aparecem como um novo instrumento de atuação do Estado no domínio econômico — Estado regulador, que contribui para o aprimoramento das eficiências do mercado.

Do modelo do Estado regulador decorre a necessidade de maior flexibilização da administração para exercer funções técnicas de controle normativo e regulador. Nesse contexto, o princípio da eficiência, no art. 37 da Constituição Federal.

O princípio da eficiência traz um elemento novo. A eficiência cria para a administração uma responsabilidade que não se reduz nem ao risco administrativo (responsabilidade pelo risco) nem à igualdade perante os encargos públicos (responsabilidade institucional), mas antes as incorpora em nome da obrigação, imposta ao poder público, ao exercer funções reguladoras no mercado, de evitar as assimetrias de informação que funcionem como um incentivo para o comportamento oportunista dos agentes privados, levando o mercado a uma disfunção (responsabilidade pelo êxito).

O princípio exige, pois, que a administração, em vista do mercado, seja dotada de competências de natureza técnica e especializada sob pena de paralisia: é impossível exigir eficiência da administração sem dar-lhe independência para alocar fins específicos e encontrar meios correspondentes. A especialização técnica é exigência da eficiência, donde o papel das agências.

Mas, com isso, do ponto de vista do Legislativo e do Executivo, é possível traçar-lhes limitações, sem, contudo, acabar com o modelo.

Assim, algumas balizas constitucionais à competência reguladora e ao seu consequente exercício podem ser reconhecidas.

1. Uma política regulatória eficiente deve procurar preservar uma distribuição de rendas politicamente ótima (ver, a propósito, o art. 170, VII, da Constituição Federal: redução das desigualdades regionais e sociais).

2. Políticas que reduzem a riqueza total disponível para a redistribuição devem, em princípio, ser evitadas na medida em que reduzem a recompensa política (interesse público) do ato regulatório (ver, neste sentido de orientação, o art. 170, VIII: busca do pleno emprego);

3. Regras orientadoras das análises que conduzem a uma ação reguladora devem ser previamente conhecidas (exigência de transparência do poder público, art. 37 caput);

4. Os atos regulatórios devem ser tomados por autoridade dotada de mandato (para minimizar a pressão de interesses: importante condição para tornar efetivo, por exemplo, o disposto no art. 175, parágrafo único, da Constituição);

5. A eficiência é pressuposto tanto de atos vinculados quanto de discricionários, estando o agente da regulação obrigado a afinar suas decisões com os objetivos políticos setoriais prescritos em lei (legalidade em sentido de legitimação);

6. A participação do usuário de serviços e atividades regulados no controle das atividades de regulação deve estar prevista (Constituição Federal, art. 37, par. 3º).

Por fim, deve-se ter presente que essas regras gerais para controle da eficiência não dão conta, obviamente, do detalhe, mormente quanto às questões de natureza técnica. Elas são antes regras para políticas reguladoras que o implemento técnico deve observar e cuja disciplina é adstrita ao caso concreto. Donde uma última e importante observação: por sua (tradicional) impermeabilidade institucional, o Poder Judiciário deve ser levado a decidir sobre o mérito das re­gulações (art. 5e, XXXV, tomado em sua plena extensão).

Fonte: FOLHA DE S.PAULO – OPINIÃO – 01-04-2003.