Competência da Anatel para a Regulação de Mercados Adjacentes aos Serviços de Telecomunicações: o Mercado de Listas Telefônicas

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Juliano Souza de Albuquerque Maranhão – Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Pesquisador Visitante das Universidades de Leipzig, na Alemanha, e Maastricht, na Holanda

1 Introdução

Em recente artigo, intitulado "A Regulação e as Listas Telefônicas”, publicado no primeiro volume desta revista,1 os professores Carlos Ari Sundfelld e Jacintho Arruda Câmara estabeleceram uma distinção importante entre as atividades de fornecimento de cadastro de assinantes e de divulgação de listas de assinantes. Trata-se, segundo os autores, de atividades que envolvem relações jurídicas distintas: a primeira, a relação jurídica de fornecimento de cadastro, é travada entre a concessionária de serviços públicos e a empresa interessada em divulgação de listas; a segunda, relação jurídica de divulgação de listas, é travada entre as empresas divulgadoras e os assinantes.

A tese defendida por Sundfeld e Câmara é a de que a competência da Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel limita-se à regulação e fiscalização da relação de fornecimento de cadastro, tendo em vista tratar-se de insumo essencial para a divulgação de listas que se encontra monopolizado pela concessionária. Assim, pode a Anatel regular e fiscalizar a forma de fornecimento desses dados, observando o dever das concessionárias em disponibilizá-los da forma como solicitado pela empresa divulgadora. desde que seja materialmente possível fazê-lo. Mas não pode a Agência adentrar na atividade a jusante de divulgação de listas, fora do âmbito estrito de "serviços de telecomunicações", onde prevalece, portanto, a plena liberdade dos agentes em suas decisões sobre as variáveis mercadológicas.

Os professores Sundfeld e Câmara deram, naquela oportunidade, um passo relevante em matéria que não se limita à discussão da divulgação de listas telefônicas e pode muito bem ser generalizado. Trata-se do problema da delimitação da competência das agências regulatórias em mercados adjacentes àqueles aos quais pertencem os serviços concedidos ou autorizados.

Subjaz à posição dos autores uma delimitação da competência da agência sob o prisma exclusivo do objeto e não do sujeito regulado. Optam, assim, diante da questão: a Anatel regula e fiscaliza os serviços de telefonia ou os serviços prestados por concessionárias ou autorizadas de serviços de telefonia?

A questão acima (e a distinção entre delimitação de competência pelo sujeito ou pelo objeto) seria trivial se as concessionárias ou autorizadas prestassem apenas serviços de telefonia. Sucede que, pela Lei nº 9.472/97, doravante citada pela sigla LGT, pode ocorrer, se não diretamente, ao menos participação indireta (por meio de subsidiária) da concessionária em mercado adjacente. Caso isto ocorra, a empresa integrada a montante com a concessionária poderá desfrutar de vantagens competitivas significativas com relação aos seus concorrentes. Deveria, nesses casos, a agência reguladora estendera fiscalização também à atuação da concessionária ou subsidiária da concessionária no mercado adjacente? Ou submete-se a concessionária, nesses casos, à competência genérica da autoridade de defesa da concorrência?

No caso da atividade de divulgação de listas telefônicas, essas questões não são tão fáceis de responder e mesmo a delimitação de competência sob o prisma exclusivo do objeto encontra problemas. É que a LGT deixou claro que o mercado adjacente de divulgação de listas é livre a qualquer interessado (art. 213, caput), ao mesmo tempo em que tornou obrigatório para concessionárias (art. 213, § 1º), o fornecimento de cadastro de assinantes. Mas não respondeu se as próprias concessionárias poderiam explorar também o mercado de divulgação de listas. A Resolução da Anatel n° 66/98 tentou fechar essa lacuna ao dispor que "é vedada à Concessionária ou Permissionária a exploração econômica direta de listas de assinantes".

Ao fazê-lo, com o texto anterior, trouxe alguns problemas dogmáticos. Em primeiro lugar, a Anatel está, aqui, por Resolução, regulando, no mínimo, condições de entrada no mercado de divulgação de listas telefônicas. Mas se sua competência regulatória limita-se à atividade de fornecimento de cadastros, então a Resolução estaria exacerbando os limites de competência da Anatel, mormente quando, ao impor restrição, a regra parece contrariar a abertura deste mercado dada pela Lei "a qualquer interessado", sem excluir, à primeira vista, a própria concessionária. Assim, se a norma for considerada válida, então se pressupõe que a competência da Anatel para regular mercados adjacentes estabelece-se não só pelo objeto como também pelo sujeito regulado.

Em segundo lugar, falamos acima que a Resolução ri, 66/98 da Anatel regula "no mínimo" condições de entrada no mercado de listas telefônicas. Isto porque não está excluída a interpretação de que a regra fale em efetiva "proibição de entrada", mesmo por meio de subsidiária.

Nas linhas a seguir, abordaremos o modo como a LGT e a Resolução no 66/98 regulam a proteção à ordem econômica no mercado de listas telefônicas. Em particular discutiremos duas interpretações possíveis acerca da participação das concessionárias nesse mercado: ou proibição categórica de entrada, ou permissão de entrada através de separação jurídica (por subsidiária). A discussão permitirá, ao final, um retorno ao tema da delimitação de competência da agência reguladora versos autoridade antitruste acerca da proteção da concorrência em mercados adjacentes, numa tentativa de generalizar algumas conclusões obtidas para o mercado de listas telefônicas.

2 A LGT e a proteção à concorrência em mercados adjacentes

O art. 7º da LGT é expresso, ao dispor que

As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei.

Decisões empresariais fundamentais, do ponto de vista do direito concorrencial, são as referentes ao controle da entrada e da saída de empresas de um mercado (donde o risco de dominação, eliminação de concorrência) e ao preço por elas exigidos (donde o risco de aumento arbitrário de lucros, abuso de posição dominante). A Constituição Federal não prevê nenhuma imunidade expressa nem de agentes nem de mercados à aplicação da lei de defesa da concorrência. Assim, a mencionada exceção ("...quando não conflitarem..."), referida, na verdade, a conflitos entre a lei geral e a lei específica, reporta-se antes a condições especiais de acesso ao mercado por parte das prestadoras de serviço de telecomunicações, submetidas a processo licitatório e remuneradas por meio de tarifas. Não se reportam, pois, a isenções, mas a aplicações que exigem cuidado mais apropriado às especificidades do mercado.

Não é outra, aliás, a orientação em sede de direito comparado. Nos Estados Unidos, a jurisprudência admite a aplicação integral do direito concorrencial tanto ao mercado de telecomunicações quanto a mercados adjacentes, como o de listas telefônicas.2

O mercado de telefonia comporta as peculiaridades dos chamados monopólios naturais.3 Caracterizados por situações em que a plena competitividade ou é inviável ou é ruinosa, mostram, entre outros fatores, a forte prevalência de custos fixos sobre os variáveis, com a exigência de altas economias de escala e uma grande proporção de custos irrecuperáveis (Sunk costs). Neles a entrada de novos competidores ou é proibitiva ou tem de ser regulada por mecanismos próprios. Assim, na telefonia, o serviço só interessa se todos os consumidores utilizam o mesmo sistema. Isto torna, em tese, extremamente difícil a entrada de novos concorrentes. Daí a regulação prévia, a divisão de mercados em áreas, a obrigatoriedade do acesso a redes. a formação de duopólios, a especial regulamentação com os mercados adjacentes etc.

Portanto, as limitações impostas pela exigência de licitação, por exemplo, se, de um lado, garantem às prestadoras de serviço, no seu mercado relevante, a competitividade no acesso e no exercício da atividade. acabam, contudo. por conferir-lhes, de outro, privilégios próprios de posição dominante no que se refere aos seus mercados adjacentes (seus fornecedores, fornecedores que dependem de insumos por elas detidos). Entende-se. por conseguinte, a pontual preocupação do legislador em caracterizar como infração à ordem econômica a adoção, por parte das prestadoras, de "práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa" de modo muito específico quando aquelas venham a celebrar "contratos de fornecimento de bens e serviços- (art. 7,, par. 3" da LGT).

Chama a atenção esta preocupação de caracterizar como infração qualquer prática que produza os efeitos anticoncorrenciais (eliminar, falsear, prejudicar a livre concorrência) na celebração de contratos de fornecimento de bens e serviços. A preocupação aqui não é, propriamente, com relações de consumo (protegidas por lei própria, além de dispositivos específicos na LGT), mas com relações concorrenciais nos mercados adjacentes. Afinal, as prestadoras de serviços de telecomunicações, por sua condição privilegiada, detêm bens e serviços com grau tal de exclusividade que, ao fornecê-los para os que deles necessitam para o exercício da livre iniciativa em outros mercados, assumem posição dominante: não precisam guiar-se pelo comportamento de concorrentes, sendo que os demandantes de tais bens e serviços estão a elas inevitavelmente jungidos. Em face dessa condição de parceiro obrigatório de demandantes de insumos em mercados adjacentes cuidou o legislador de impor-lhes especial atenção para qualquer prática minimamente restritiva quando da celebração de contratos de fornecimento de bens e serviços para tais mercados adjacentes

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3 A doutrina das essential facilities: solução comportamental vs estrutural

Esta situação peculiar das prestadoras de serviços em termos de posição dominante ou de monopólio natural é bem conhecida e largamente discutida e regulada na legislação comparada. Nos Estados Unidos, o Sherman Antitrust Act, promulgado quase uma década depois da invenção do telefone por Graham Bell, conquistou bem a propósito de sua progressiva disseminação um extraordinário processo de modelação às peculiaridades do serviço. O resultado de uma dessas modelações é a essential facilities doctrine.

Esta doutrina requer de uma empresa ocupando posição monopolística ou posição dominante4 em seu próprio mercado, que ela aja de modo equitativo (não discriminatório) com relação a empresas que concorram em mercados adjacentes e que dela dependem para a obtenção de insumos essenciais5.A preocupação é com a possibilidade de que um monopólio ou um duopólio ou uma posição dominante, em um mercado relevante, se estenda a outro mercado ou que, presente em um estágio de produção, alcance um outro.

Originariamente, a doutrina nasceu em uma decisão de 1912 da Suprema Corte norte-americana e que se referia à posição de proprietários de unia empresa de transportes ferroviários. Quatro fatores foram então qualificados na caracterização da responsabilidade por danos à concorrência

em termos da essential facilities doctrine:

a) o controle de insumo, essencial no mercado fornecido, por um monopolista ou duopolista ou detentor de posição dominante rio mercado fornecedor;

b) a incapacidade de um competidor no mercado fornecedor, praticamente ou razoavelmente, de duplicar o insumo essencial;

c) a eventual negação ou imposição de dificuldades de uso do insumo essencial a um competidor no mercado fornecido pelo fornecedor e

d) a factibilidade de se prover o insumo.

O primeiro fator refere-se, em primeiro lugar, à essencialidade do insumo. A doutrina considera essencial o insumo se ele é vital para a viabilidade da concorrência em outro mercado e se os concorrentes neste não podem efetivamente competir sem acesso a ele6. O insumo não precisa ser indispensável: basta que seu controle carregue consigo o poder de eliminar concorrência no mercado adjacente7.O insumo pode ser tanto um bem tangível quanto intangível. Assim, por exemplo, numa disputa sobre o fornecimento de informações sobre negociantes, tipos de negócio, com a finalidade de elaborar lista telefônica de classificados, a Corte, nos Estados Unidos, considerou essenciais aqueles insumos, conquanto se tratasse de trademarrk, e copyrilght8. Em segundo lugar, refere-se o fator à condição monopolista ou de posição dominante do fornecedor Não é preciso que o fornecedor possa ou queira tornar-se um monopolista ou conquistar posição dominante no mercado adjacente. Basta que consiga, nesse mercado, uma posição de vantagem (resultante, na verdade, de sua posição monopolista ou dominante tio primeiro mercado).

O segundo fator significa, na verdade, que o demandante do insumo não tem como, em absoluto, ou não tem como, sem enormes custos, obter o insumo que lhe é essencial. A doutrina aponta, assim, para a circunstância de que os competidores, entrances potenciais em um mercado adjacente, não podem ser obrigados a entrar em dois mercados simultaneamente (o fornecedor e o adjacente) apenas para obter um importante insumo. De qualquer modo, para a doutrina, basta comprovar que outro modo de aquisição do insumo é destituído de razoabilidade econômica.

O terceiro fator não se reduz a uma simples recusa ou ameaça de recusa de fornecimento. Não é preciso que a recusa seja ostensiva. A recusa pode ser sofisticada por dificuldades no efetivo fornecimento. Ocorre, por exemplo, quando o fornecedor altera de modo não razoável o insumo (ou suas condições de utilização) ou aumenta-lhe o valor de tal modo que torne impraticável, ou excessivamente custoso, o acesso a ele. A razoabilidade deste valor depende, segundo a doutrina, do contexto mercadológico.

O quarto fator refere-se a uma questão de fato. Por isso, as Cortes americanas procuram determiná-la de caso para caso, dentro de um contexto próprio. O importante é que fique caracterizada a possibilidade do fornecimento, seja por razões técnicas ou quaisquer outras, deixando ostensiva a irrazoabilidade da alegação de eventuais dificuldades no modo, no tempo, na quantidade etc.

Diante do risco representado pelo controle monopolista de insumo essencial, a doutrina discute duas categorias de soluções. A primeira consiste na solução estrutural, evitando-se que o monopolista participe de mercados adjacentes (desconstituição) ou impondo restrições a essa participação (separação jurídica ou funcional). A segunda consiste na solução comportamental, a partir da repressão a condutas discriminatórias do monopolista capazes de elevar custos ou criar quaisquer dificuldades de acesso à infra-estrutura essencial por concorrentes com relação às condições de acesso de suas coligadas.

A solução estrutural, no sentido de desconstituição, visa a eliminar

por completo os incentivos do monopolista para discriminar cliente/concorrentes.

Demais alternativas, como a separação jurídica (operação em

mercados adjacentes por meio de subsidiárias) ou separação funcional

(operação por meio de corpo administrativo distinto e com restrições de

comunicação), não eliminam completamente os incentivos ao favorecimento das coligadas, apenas facilitam a fiscalização de práticas anticompetitivas ou, no caso da separação funcional, diminuem o nível de coordenação. Em contraposição, a separação estrutural joga por terra todas aquelas sinergias decorrentes da integração vertical9, tais como economias de escopo, redução de custos de transação, redução de custos tributários, resposta integrada e eficiente às necessidades do consumidor, etc. Como alternativa para preservação das eficiências destacadas, aparece a solução comportamental, que, sem eliminar a integração, reduz os incentivos e as possibilidades de práticas anticoncorrenciais do monopolista por meio da repressão a condutas que impliquem vantagens competitivas artificiais, assim entendidas aquelas não decorrentes da maior eficiência da firma integrada.

4 Listas telefônicas como essential facilities

Um dos campos de aplicação da essential facilities doctrine nos Estados Unidos é, justamente, o setor de publicações de listas telefônicas. Lá ela não tem um estatuto legal, mas, não obstante divergências,jurisprudenciais,há julgados importantes que a aplicam ao setor. Alguns, por exemplo, reconhecem que uma relação de assinantes, com a ordem alfabética de subscritores de linhas, é um insumo essencial inerente ao serviço oferecido pela prestadora (a companhia telefônica), já pela simples razão de que ela deve ser atualizada, o que cria inevitável dependência em relação à prestadora.10

Por essa condição de insumo essencial, nos regulamentos, de um lado, os requisitos para sua publicação pela própria prestadora aparecem sempre conectados com as correspondente,,, tarifas telefônicas. Por outro lado, responsáveis que ficam sendo as prestadoras pelo levantamento de nomes e sua organização em listas, a prática jurisprudencial americana observou que, desde cedo, elas procuravam eliminar competidores no lucrativo mercado adjacente de anúncios em páginas amarelas (yellow pages advertising), alegando tratar-se de copyright.

Após larga discussão e vários julgados, para obviar o problema, em 1976. por isso mesmo, ao promulgar o Copyright Act, o Congresso americano acabou por definir a questão, limitando temporalmente o privilégio autoral, bem como o escopo de sua proteção. No caso das listas, as Cortes entenderam, então, que a divulgação, o cruzamento de informações por meio de listas com anúncios classificados protegia o interesse do consumidor, não podendo o direito de divulgação por terceiros (editoras) ser excepcionado sob alegação de direito autoral. A relação de assinantes foi, assim, considerada objeto de interesse público e não propriedade intelectual e tornada objeto de livre exploração econômica.

4.1Listas telefônicas como essential facilities na LGT

No Brasil, como explicam Sundfeld e Câmara11 recém saído de um mercado rigidamente regulado e monopolizado, os cadastros e listas de assinantes passaram a uma situação análoga à de propriedade intelectual do conteúdo das "listas oficiais" divulgadas por empresas terceirizadas, para a situação de insumo de domínio público.12

A essential facilities doctrine está, sem dúvida, refletida em importantes dispositivos da LGT, sobretudo em vista de que a concessão da exploração do serviço de telecomunicações se dá no regime público, e, em especial, no que se refere ao fornecimento de insumos essenciais ao mercado adjacente.

Em primeiro lugar, cuida o legislador de delimitar rigorosamente o âmbito de atuação da prestadora de serviços de telecomunicações, tendo em vista sua peculiar posição em áreas previamente determinadas. Considerando-se o primeiro dos fatores da essential facilities doctrine, observe-se, então, que o legislador brasileiro se preocupa em circunscrever e definir, normativamente. as condições de um agente que atua num mercado que tem as características de um monopólio natural, no sentido técnico da expressão, como supra esclarecido. Assim, a concessão exige que a empresa outorgada seja criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão (LGT, art. 86). Esta restrição manifesta o cuidado com o poder de mercado do agente econômico e procura prevenir as suas eventuais extensões.

A concessionária é obrigada, além disso, por força da concessão e de sua remuneração por via tarifária, a fornecer gratuitamente aos assinantes a correspondente lista (LGT, art. 96). Esta lista, no entanto, contém uma relação que constitui um insumo essencial para o negócio de divulgação que é considerado livre a qualquer interessado, por qualquer meio (LGT, art. 213), o que obriga a prestadora de serviços a fornecê-la em prazos e preços razoáveis (LGT. art. 213. par. 1º). Também neste passo observa-se um reflexo da essential facilities doctrine. Três de seus fatores entram aqui em consideração. Um, no reconhecimento prévio da relação de assinantes como insumo essencial para o mercado adjacente do negócio de divulgação, por estrutura, livre. Dois, na eventual possibilidade de recusa de fornecimento do insumo ou imposição de dificuldades para fazê-lo, o que se regulamenta, preventivamente, com a obrigação de sua cessão (proibição da recusa) e com a obrigação de respeitar a razoabilidade dos preços e prazos (proibição de criar dificuldades). E três no reconhecimento da impossibilidade prática de o insumo ser produzido no mercado adjacente.

Quanto à factibilidade de fornecimento do insumo, o legislador, ao estabelecer a obrigatoriedade de a prestadora fornecer listas telefônicas aos assinantes (LGT, art. 213, par. 2º), torna aquela factibilidade, enquanto fator sujeito a prova na essencial facilities doctrine, uma presunção juris et de jure: o fornecimento é, por presunção legal, declarado factível.

Observa-se, destarte, que o legislador brasileiro optou, na regulamentação do serviço, por disciplinar a atribuição de concessão à prestadora de forma rigorosamente distinta do negócio de divulgação de listas, marcando normativamente a presença dela no mercado de telecomunicações (sujeito a regime público), apartando-a, como agente, do mercado adjacente do negócio de listas classificadas de assinantes. Fê-lo, porém, sem deixar de estabelecer, para efeitos concorrenciais, as obrigações da prestadora em relação a qualquer interessado no negócio do mercado adjacente.

Ou seja, a concessão para a exploração do serviço, objeto de licitação, confere à concessionária privilégios estritos, em homenagem às condições especiais do mercado. Estas condições exigem divisão, tarifa, redução do número de competidores etc. Por isso, a prestadora tem de ser empresa criada exclusivamente para a exploração do serviço de telecomunicações. Ou seja, o mercado relevante de serviço de telecomunicações é mercado sob regime público (concessão) que, por condições privilegiadas conferidas ao concessionário, não admite sua extensão a mercados adjacentes. já o serviço de divulgação de listas, ao contrário, é inteiramente submetido à livre concorrência e à livre iniciativa. Em relação ao interesse do consumidor (o assinante), a lista faz parte do serviço prestado pela concessionária, não podendo, porém, ser remunerada separadamente das tarifas cobradas. Não obstante, sua divulgação como negócio lucrativo, por meio de anúncios, é considerada pelo legislador um outro mercado, relevante, fora do regime público.

A lei (LGT), assim, cuidou de marcar a distinção entre o mercado relevante de telecomunicações, submetido ao regime público, e o mercado relevante adjacente, de divulgação mediante anúncios, de listas de assinantes, este sob regime de liberdade. E entendeu que a concessionária, pelos privilégios concorrenciais que passa a deter no regime público, deve restringir-se ao seu mercado relevante. Esta peculiar situação no seu mercado, por sua vez, obriga o legislador a impor-lhe obrigações-que vão se refletir no mercado adjacente, posto que ela é detentora de um insumo essencial. Segundo Sundfeld e Câmara, estas obrigações limitam-se à atividade de fornecimento do insumo, i.e. cadastro de assinantes, não alcançando a regulação o mercado livre de divulgação de listas.

5 A LGT e a Resolução n° 66/98 da Anatel: solução estrutural ou comportamental?

Regulando normativamente, nos quadros de sua competência, estes dispositivos, a Anatel, pela Resolução n° 66, de 9 de novembro de 1998, disciplinou a divulgação de listas de assinantes.

Em primeiro lugar e em consonância com a distinção dos mencionados mercados, distingue a Lista Telefônica Obrigatória e Gratuita (LTGO), parte do mercado relevante dos serviços de telecomunicação sob regime público, da divulgação por qualquer meio de listas de assinantes do Serviço Telefônico Fixo Comutado. A primeira é obrigação da concessionária, que deve divulgá-la gratuitamente. A segunda, a lista de assinantes do STFC, conjunto de informações contendo, no mínimo, a relação de assinantes, é submetida ao livre interesse de qualquer pessoa, física ou jurídica, em fazer-lhe a divulgação. Esta pode ser explorada economicamente.

Embora discipline com detalhe a forma de divulgação de lista telefônica gratuita, a Resolução regula de forma ambígua a possibilidade de exploração econômica da atividade de divulgação de listas pela concessionária ou permissionária (ou por sua subsidiária). Diz assim o art. 28 da Resolução 66/98:

Art. 28. É vedada à Concessionária ou Permissionária a exploração econômica direta de listas de assinantes.

O texto da resolução admite duas interpretações alternativas, igualmente plausíveis e mutuamente excludentes. Pela primeira, que chamaremos de separação jurídica, o art. 28 da Resolução permitiria a participação da concessionária no mercado de divulgação de listas, desde que por meio de subsidiária. Pela segunda interpretação, que chamaremos de separação estrutural, o art. 28 da Resolução proibiria a concessionária de participar desse mercado como concorrente, isto é, sua atuação se limitaria à divulgação da LTGO.

5.1Separação jurídica

Segundo a interpretação no sentido de separação jurídica. o texto do art. 28 da Resolução ri" 66/98 estaria apenas proibindo que as concessionárias explorem diretamente a divulgação de listas telefônicas. O fundamento para esta interpretação se encontra na própria LGT. Como o art. 213 da LGT torna livre, a qualquer interessado, a divulgação por qualquer meio, a Resolução, ao proibir

à prestadora de explorar diretamente o mercado de listas telefônicas, estaria, a contrario sensu, permitindo-a explorar indiretamente esse mercado, isto é, por meio de subsidiária.

Reforça esta interpretação o fato de a LGT ter adotado, em linhas gerais, a solução comportamental para a problemática trazida pelas essential facilities controladas pelas prestadoras, isto é, optou por integrar serviços prestados pelas concessionárias e per missionárias, após cumprimento de metas de universalização, e regalara fiscalização e repressão a condutas abusivas e discriminatórias, e.g., nas tarifas de interconexão cobradas de demais prestadoras. Também com relação ao serviço de divulgação de listas, a LGT (art. 213. § 1º) estabelece mecanismos comportamentais ao falar em fornecimento de relação de assinantes em condições razoáveis não discriminatórias.

Em termos de nacionalidade econômica, a discriminação faria sentido se a concessionária tivesse alguma relação especial de integração com alguma empresa divulgadora, ou seja. ao regular a discriminação, a lei parece pressupor a atuação da concessionária como concorrente do mercado de telefonia. À propósito, o controle de preços discriminatórios ou excessivos tem a ver com apuração de condutas anticompetitivas sendo prevista no art. 21, c.c. art. 20, da Lei n° 8884/94, que trata da repressão a infrações contra a ordem econômica. Assim, esta exigência de não discriminação e razoabilidade parece se coadunar à solução comportamental para o problema de controle de insumo ou infra-estrutura essencial.

5.2Separação estrutural

Interpretando-se a Resolução no 66/98 no sentido de uma separação estrutural, nota-se que na expressão exploração econômica direta, contida no texto do art. 28, direta é um adjetivo que modifica o substantivo exploração (econômica). O adjetivo direta, assim, refere-se à forma de exploração econômica do produto, não ao agente produtor. Se a referência fosse ao agente, deveria ter sido dito "explorar diretamente". A expressão, portanto, designaria a forma de exploração, especificadamente, o modo de remuneração pela divulgação das listas.

Essa interpretação ganha peso quando o artigo 28 é lido em conjunto com o anterior, de número 27. Este autoriza a concessionária ou permissionária a divulgar lista de assinantes pelo meio que julgar conveniente. Esta divulgação, como objeto de exploração econômica, porém, só pode ser remunerada de forma indireta, isto é, por meio do valor cobrado na tarifa. Ou seja. pelo valor cobrado na tarifa telefônica que remunera o serviço de telefonia, fixada pela Anatel ou pela própria Prestadora, quando em regime de liberdade tarifária (LGT art. 103, 104), devendo-se entender que o valor da prestação do serviço já inclui a divulgação da lista (independentemente da LTOG, que é fornecida gratuitamente).

Em suma, explorar economicamente de modo direto um produto é torná-lo rentável por ele mesmo. No caso de listas de assinantes a exploração direta ocorre se elas carregam anúncios ou se são vendidas aos assinantes. Isto é exploração econômica direta. E isto seria vedado às prestadoras pela Resolução n° 66/98, o que é coerente com a solução estrutural para o problema de controle de uma essential facility. Na jurisprudência norte-americana, há julgados que entendem ser uma lista de assinantes feita pela Prestadora de serviços de telefonia parte do contrato com o usuário, estando o preço incluído na tarifa. Este serviço (de divulgação de lista), remunerado pela própria tarifa. é considerado serviço indireto e apenas nessa forma admitido, pois só assim não provocaria a extensão do monopólio ao mercado adjacente.13

Assim, o fundamento desta interpretação na LGT estaria na previsão legal de que a prestadora deve atuar na divulgação de listas por meio da LTOG. Esta seria, por força da própria LGT a única forma de atuação da concessionária nesse mercado, isto é, segundo interpretação que lhe dá o art. 28 da resolução nº 66/98, pela "divulgação gratuita", com remuneração indireta, através das tarifas cobradas pelos serviços de telefonia. A prestadora, por atuar "gratuitamente" não pode concorrer no mercado adjacente, isto é, no mercado de listas de assinantes remuneradas por meio de anúncios qualificados ou por sua comercialização mediante venda ao usuário etc.

Esta vedação, ademais, não se reportaria apenas à empresa prestadora do serviço de telecomunicação, mas se estenderia a todo o grupo econômico conforme art. 17 da Lei n° 8884/94 que, como já esclarecido, aplica-se ao mercado de telecomunicações. O CADE, aliás, já marcou posição jurisprudencial que entende válida para todos os casos a imagem de que "não se pode afirmar que duas pernas possam agir de forma independente ou concorrer entre si se obedecem a uma mesma cabeça" (v. A.C. n° 08012.009758/98-18, relator Marcelo Calliari). Note-se que a expressão grupo econômico não é tomada, na lei, no sentido estrito da lei societária, mas no sentido amplo que alcança, inclusive, o mero grupo de fato, o que significa, afinal, que mesmo a exploração econômica direta, mas por intermédio de Outra empresa pertencente ao grupo econômico, estaria vedada.

6 Conclusão

A Lei Geral de Telecomunicações não especifica se a prestadora de serviços de telefonia pode ou não participar, como concorrente, do mercado de divulgação de listas telefônicas. A Resolução nº 66/98 da Anatel, que tenta preencher essa lacuna, não o faz de forma satisfatória, dando espaço tanto para a interpretação de que esta participação estaria vedada (separação estrutural), quanto para a interpretação de que a concessionária ou permissionária poderia atuar nesse mercado adjacente por meio de subsidiária (separação jurídica).

Caso se adote a interpretação no sentido de separação estrutural, então a delimitação de competência da Anatel estritamente sob o prisma do objeto, i.e. restrição da competência regulatória à atividade de fornecimento de relação de assinantes, proposta. por Sundfeld e Câmara, não enfrenta problemas. Seria trivial a especificação desta competência também pelo prisma do sujeito, já que a concessionária atuaria como player monopolista no mercado de fornecimento de insumo ― relação de assinantes ― mas não como player (concorrente) do mercado de divulgação de listas.

Todavia, a interpretação no sentido de separação jurídica, torna insuficiente a delimitação de competência apenas pelo ponto de vista do objeto (fornecimento de relação de assinantes vs divulgação de listas). Isto porque a Anatel deverá, então, regular, no mínimo, as condições de entrada da concessionária no mercado adjacente de listas telefônicas, o que não deixa de ser uma regulação deste mercado, embora restrita ao sujeito regulado. Já o jogo competitivo entre os agentes do mercado de divulgação de listas telefônicas fica sujeito à competência genérica da autoridade de defesa da concorrência.

Acreditamos que as conclusões acima podem ser generalizadas para a delimitação em geral da competência da Anatel em mercados adjacentes aos serviços de telecomunicações, quando a concessionária ou permissionária disponham de insumo ou infra-estrutura essencial. A competência da Anatel pode ser fixada exclusivamente pelo objeto, limitada ao serviço específico de telecomunicação ou fornecimento do insumo essencial controlado pela prestadora, quando a esta for vedada atuação no mercado adjacente. Caso contrário, a competência se determina não só pelo objeto como também pelo sujeito, mas se limita às condições de entrada e atuação da prestadora nesse mercado não regulado.

Fonte: Revista de Direito Público da Economia – Belo Horizonte, Editora Fórum, ano 1. nº 2, 2003, p. 361-375.