Institucionalização da violência

Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Professor de Introdução ao Estudo do Direito

Antes de iniciar a abordagem do tema propriamente dito, isto é, a institucionalização da violência, eu me permitiria fazer algumas observações de natureza conceitual, baseando-me na teoria funcionalista de N. Luhmann.

Para falar da institucionalização da violência, e presumo em relação ao direito, tenho que, inicialmente, apresentar-lhes, pelo menos a título provisório, o que vou entender aqui por di­reito, e o que vou entender por direito dentro do ambiente so­cial, dentro da sociedade.

O ponto de partida é o seguinte: eu vou ser breve nas de­finições e não vou me alongar nelas; admitamos que o ser humano, individualmente considerado, está em constantes interações, neste momento nós estamos numa situação interativa, eu lhes falo, vocês me ouvem. As interações entre os homens são extremamente complexas — este é um tema que me parece importante caracterizar — as interações humanas são complexas, na medida em que as possibilidades de interação são sempre em número maior que as possibilidades de atualização de uma interação específica. Muita gente aqui, como lembrou-o Jorge, está eventualmente com vontade de falar também, mas nesse momento está quieto, não está falando, está ouvindo; mas, esta é uma possibilidade de interação que vocês têm, mas que não está sendo atualizada.

Nem todas as interações possíveis podem ser atualizadas. Do contraste entre as interações atualizáveis e aquelas que não podem ser atualizadas, que são em número maior, nós destaca­mos duas noções:

1) a de complexidade, que é a situação de possibilidades

interativas infinitas;

!:

2) a necessidade que nos obriga a delimitar algumas in­terações como possíveis. Já que não posso escolher todas, eu tenho que escolher algumas.

A complexidade gera para o ser humano uma situação de angústia — eu não quero entrar na psicologia, na psicanálise - mas, gera uma situação de angústia; eu não posso fazer; tu­do, nem todos podemos interagir de todos os modos possíveis. Então a tendência é escolher; isso se dá ao nível individual e se dá também ao nível coletivo.

A sociedade resulta, inicialmente, de uma espécie de esco­lha de interações. Acontece que, quando nós escolhemos, existe um risco imanente. Esse risco imanente é o de que aquilo que nós escolhemos não se realize. Em todo ato de escolha, nesse sentido, tanto no ponto de vista individual, quanto no ponto de vista social, está imanente o risco da contingência de que aquilo que foi escolhido não aconteça.

"Que aquilo que foi escolhido,não aconteça" significa que surge uma desilusão. Por isso os indivíduos; e a sociedade se estruturam não só na forma de escolhas de possibilidades de interação, mas também se armam de mecanismos para, senão eliminar, pelo menos controlar até certo ponto as desilusões. Já que eu não posso evitar que desilusões surjam— neste mo­mento eu estou falando, e talvez alguém que esteja com von­tade de falar; e realmente levante a mão ou não levante a mão e comece a falar qualquer coisa, isso seria perfeitamente possível — já que eu não posso, portanto, evitar as desilusões, elas podem acontecer; então eu me armo de instrumentos para con­trolá-las, que instrumentos são esses?

Uns desses instrumentos nós poderíamos chamar de de­senvolvimento, de expectativas cognitivas, o que são expectati­vas cognitivas?

Por exemplo, pelo que eu conheço do auditório aqui pre­sente, — porque eu sei que se trata de um auditório de um certo nível cultural, que entende a situação, em que nós estamos — eu presumo, com certa tranquilidade, que para falar, vocês espe­ram que a mesa termine e que eu termine a minha palestra. Isso é uma expectativa em função daquilo que eu conheço, ago­ra; a expectativa cognitiva se caracteriza pelo seguinte: "se por acaso alguém começasse a falar, alguém pedisse a palavra, al­guém me interpelasse e me pedisse uma explicação extra sobre aquilo que estou falando", eu poderia eventualmente dizer o seguinte: "bem, eu não estava prevendo que eu fosse interrom­pido nesse momento, mas eu vou responder a sua pergunta". A expectativa minha é cognitiva no sentido de que ela é adaptativa a uma desilusão, eu não esperava que alguém fosse me interromper. Mas já que me interromperam, pois bem, eu vou aceitar a desilusão, eu me adapto a ela, eventualmente transformo o tom dessa conferência num tom de diálogo.

Existe um outro instrumento social, entretanto, de contro­le da desilusão, que é a chamada expectativa normativa.

A expectativa normativa é aquela que finca o pé, isto é, aquela que não cede diante da desilusão, que não aprende com os fatos. E se alguém me interrompesse eu poderia dizer: "não concedo apartes, ou, de acordo com o regimento os apartes só serão permitidos depois".

Vejam bem, a expectativa normativa não aprende com oa fatos, ou com o fato da desilusão. Ela se mantém apesar da desilusão. Pois bem, esta expectativa normativa que se manifes­ta através de normas, é o primeiro instrumento que me parece importante para o modo como nós queremos caracterizar o di­reito, a sua presença dentro da sociedade.

Não é o único entretanto, não é o único pelo seguinte, ve­jam bem, é possível que ao manifestar eu aqui perante vocês uma expectativa normativa, é possível que alguém eventualmente — e essa possibilidade existe —, alguém eventualmente manifestasse contra mim uma outra expectativa normativa. Eu diria "não concedo apartes" e o outro me diria "V. Exa. está sendo autoritário", ou qualquer coisa nesse sentido. Notem que o conflito das expectativas normativas é muito comum no inter-relacionamento humano, isto é, não só eu posso não querer aprender com a desilusão, mas, o outro que queria falar que também se sentiu desiludido, pode não querer aprender com a desilusão.

As normas são importantes instrumentos de controle das desilusões com as quais convivem os sistemas sociais, mas não são evidentemente os únicos e nem podem resolver todas as situações.

Para isso nós precisamos de um outro instrumento que me permita dizer, em uma situação, eventualmente, de conflito de expectativas normativas, qual aquela que deve vingar, qual aquela que prepondera nesta situação.

Para isso eu preciso de um outro instrumento, um outro mecanismo de controle social extremamente importante, ao qual eu vou dar o nome de institucionalização.

O que é uma institucionalização? Vejam bem qual é a ex­pectativa normativa que vinga numa situação? Se alguém insis­tisse em falar e começasse a falar efetivamente, eu manteria a minha expectativa normativa, mas ete quereria manter a dele. Qual das duas vingaria?

Intuitivamente, provavelmente, num certo grau ou numa certa situação, como esta nossa, eu quase que arriscaria dizer que talvez o Presidente se colocasse ao meu lado e diria "o Sr. não pode falar agora", o próprio auditório começaria a se inquietar o sujeito que insistisse em falar, talvez se sentisse também constrangido a dizer de público porque que ele quer falar. Teria de argumentar muito mais, e eu teria, por exemplo, que argumentar muito menos. Eu poderia ficar um pouco mais tranquilo, apoiar-me na presidência ou apoiar-me, digamos as­sim, no consenso geral e simplesmente esperar que a situação se acalmasse.

A institucionalização está ligada a esse fenômeno. A institucionalização se refere a uma expectativa presumida de terceiros, dos outros, não daqueles que estão interagindo, mas dos outros; eu estaria interagindo com alguém que quer falar, mas aqui eu estaria jogando com a expectativa presumida que eu tenho do comportamento dos outros. Quem são os outros? Os outros são aqueles que não estão interagindo! Os outros são aqueles que estão preocupados com outras coisas, os outros são aqueles que estão preocupados em ouvir a conferência e não ouvir exatamente o nosso bate-boca, os outros estão preocupa­dos com outras coisas.

Num auditório pequeno como este, nós temos mais ou me­ nos um ponto comum de preocupação, mas, eventualmente, o que me daria uma certa garantia de que a minha norma prevaleceria contra a daquele que gostaria de falar, não está apenas no consenso presumido que eu teria de todos nós, mas também em um consenso presumido de que todas as pessoas concordariam que eu deveria continuar falando e que outros deveriam ficar quietos. É o consenso presumido de que lá fora as pessoas que estão rodando aqui em volta deste edifício, também concordariam com isso.

Evidentemente, vocês podem perceber que o fenômeno da institucionalização, se levado ao seu extremo, me conduz a uma enorme abstração. O consenso não é apenas presumido, mas é presumido num grau alto de abstração. Quanto mais complexa é a situação social, mais abstrato é esse consenso presumido. Aqui entre nós, quase que poderíamos fazer um censo, e nós poderíamos saber quem está e quem não está de acordo com uma determinada solução. Mas se eu imaginar no contexto paulistano quem estaria de acordo ou não aqui, eu teria que ape­lar para uma presunção extremamente abstrata.

Bom, a institucionalização tem a ver, portanto, com o con­senso de terceiros, com expectativas presumidas do que é que os outros pensam a respeito do que ocorre num determinado momento. Quanto mais complexa é a sociedade, mais difícil se torna uma institucionalização de expectativas de consenso para o caso concreto.

Com a sociedade crescendo em complexidade, os terceiros vão se tornando cada vez mais anônimos, e eu não sei mais quem são os terceiros. Os terceiros perdem para mim a sua condição de alter-ego, eles são alguém que eu não sei quem é. Esta anonimidade gera evidentemente para o corpo social uma enorme angústia.

Eu não apenas tenho que controlar as expectativas através desses recursos das expectativas presumidas de terceiros ou através de normas, mas eu tenho também de controlar certos conteúdos normativos, eu tenho que controlar certos conteú­dos institucionais. O que é que se pode prever? O que é que eu tenho que achar que vai realmente ser acatado?

Aqui entra um terceiro fator de controle social que define o conteúdo mesmo, o sentido mesmo da expectativa que eu te­nho do comportamento dos outros. Esse terceiro elemento é por exemplo:

O conhecimento que eu tenho das pessoas: se eu conheço uma pessoa, se eu conheço a história dela, eu sei mais ou me­nos como é que ela se comporta, então eu me tranquilizo.

O papel que a pessoa interpreta na sociedade: se eu vou pedir dinheiro emprestado a qualquer um na rua, eu me arrisco muito a receber um não, mas se eu peço a uma pessoa que por função empresta dinheiro, as chances são maiores.

Em terceiro lugar, eu posso recorrer para garantir uma expectativa a valores sociais. Presumidamente eu tenho a impres­são que ninguém aqui levantaria a mão se eu perguntasse "al­guém é contra a justiça?". Provavelmente todos diriam, ou ficariam quietos, ou sorririam, é claro que todos somos a favor da justiça; os valores nesse alto grau de abstração são instru­mentos para eu, mais ou menos, controlar as expectativas dos outros.

Os valores são vagos, e aqui entra um quarto elemento que são as ideologias, que dão aos valores certos sentidos específi­cos. É claro que se eu perguntar "todos são a favor da justiça?", todos são. Mas que justiça? Então entram fatores de natureza ideológica.

Bom, nesse contexto é que surge o Direito. O Direito surge de uma congruência desses três fatores. Ora, esta congruência exige uma integração no sentido de que sejam obtidas as mes­mas expectativas para situações parecidas.

A desilusão das expectativas envolve essas três dimensões e é nesse contexto que nós vamos estudar então o papel da vio­lência no direito.

De início eu quero excluir algumas interpretações; quando eu falo em violência, eu não estou tomando a palavra violência no seu sentido concreto, isto é, do uso da violência aqui e agora, em outras palavras, eu não estou tomando a palavra violência no sentido do ato violento concreto num certo momento,, eu estou tomando a palavra violência no seu sentido simbólico de ameaça; Por isso não vão me interessar aqui as consequências do uso da violência, mas o sentido simbólico da violência dentro da sociedade. Não a sua presença concreta, os outros painelistas falaram da sua presença concreta, eu vou falar da presença simbólica da violência. Qual é o papel da violência?

Distingo também a violência física da coação física, isto porque o direito se liga apenas indiretamente a sua imposição concreta. Mais importante do que a imposição concreta, para o direito, é a garantia de uma expectativa. É importante gravar que o direito não vive porque todas as pessoas obedecem, mas porque uma expectativa de obediência é garantida. Se assim não fosse qualquer ato contra o direito estaria destruindo o direito, e não é isso que acontece.

Há muitos crimes, mas os crimes não destroem o direito, portanto, não é a obediência efetiva ao direito que faz com que o direito exista, mas é a garantia de que uma expectativa deve prevalecer, "é proibido matar", por exemplo, embora se mate muita gente.

A violência física se entende aqui, portanto, não como a re­presentação simbólica de uma imposição concreta, mas como a garantia de uma expectativa qualquer. A expectativa de que não se pode matar, para ficar no exemplo. Isto explica, a meu ver, que em sociedades primitivas a vingança não signifique nem a punição do culpado, pode-se punir alguém; nem a extensão dos conflitos, a guerra das famílias, por exemplo; nem a obtenção forçada de uma reparação, mas a representação so­cialmente expectada, quase que obrigatória, de que uma determinada expectativa que foi violada continua sendo mantida.

Através do emprego da violência física, com todos os seus riscos, aquele que foi desiludido assegura a si próprio que ele se mantém preso às suas expectativas. Mas quando ele age com violência, no fundo, ele está mostrando ao outro que as suas ex­pectativas continuam valendo. Ele assegura, portanto, a ai pró­prio, e assegura também à sociedade que aquela expectativa continua valendo. O que mantém o direito, portanto, não é o exercício, mas é a prontidão para o exercício de uma ação.

A violência física nesse sentido não é um meio, é a própria manifestação da congruência, ao menos nas sociedades primi­tivas. Será que eu, ao dizer isso, estou entregando o direito à violência Eu praticamente estou dizendo que a violência não é um meio, mas é a própria manifestação do direito. Então eu estou entregando o direito à violência. E, aqui, nós nos encon­tramos de braço com uma imensa dificuldade.

A violência física, a meu ver, está ligada à natureza física do homem. O homem é por natureza um ser violento, eu admito isso ou, pelo menos, como pressuposto, e não discuto isso nesse momento. Mas é por isso mesmo, porque a violência está ligada à natureza do homem, é que é importante que ela esteja "bem" posicionada. Nenhum direito permanece direito se a violência física estiver do outro lado. A violência não é apenas esse ins­trumento de execução do direito vigente, mas representa a pre­sença do direito na sociedade, isto é, ela evidencia a seletividade da ordem.

Esta associação entre a violência e o direito gera entretan­to dois problemas fundamentais. O primeiro é o dado histórico da violência gerando a violência e dando chance para nós che­garmos a falar em regulação da violência. O segundo está em que, com o aumento da complexidade social, a violência física tende a ganhar alta independência estrutural enquanto base do poder.

Basta nós compararmos a força da violência com as outras bases do poder. O poder não se faz só de violência, ele se faz de prestígio, de conhecimento, de lealdade. Mas a violência em re­lação a todos esses outros elementos é capaz, com um maior grau de independência, de se impor de fora da organização atra­vés de lealdade, da organização social, através de conhecimento, de prestígio. Isso significa a única dependência social da vio­lência de certa efetividade, infelizmente, é a própria violência dos outros. É claro que essa é uma afirmação até certo ponto anticristã, sem dúvida porque o cristianismo pregava exatamente o contrário.

Há possibilidade de pelo menos oferecer a outra face diante da violência, mas o que eu estou fazendo não é a pregação de uma ideia, mas a constatação de um fato: o instrumento mais efetivo contra a violência, infelizmente, é a própria violência. Ora, em função disso, há outro dado histórico que nos causa uma enorme dificuldade: existe a possibilidade de a violência, inclusive, se libertar do direito, diferenciar-se do direito e aca­bar constituindo uma ordem própria, uma unidade própria.

Uma ordem própria onde alguém tem lealdade porque do­mina a violência, onde alguém tem conhecimento porque é o dono da violência, onde alguém tem prestígio porque é o dono da violência.

O que eu estou afirmando dá, sem dúvida, à violência na sociedade uma certa ambiguidade, no sentido de que tanto ela constrói quanto ela destrói a sociedade, pelo menos em termos de ordem vigente. Como tal, isto é, enquanto o instrumento, a violência é diferente em ambos os casos. Ela assume, entretanto, formas diferentes conforme as diversas estruturas sociais. Nós temos que admitir que em qualquer época, em qualquer circunstância, a violência não tem limites, e o homem pode chegar a limites incríveis ou ao ilimitado da violência. Basta nós vermos casos concretos de que nós ouvimos falar, mas que existem realmente de tortura, não no passado, mas hoje, para nós sabermos que a violência pode chegar a níveis que nós não conseguimos compreender como é que o homem faz isso, não conseguimos compreender enquanto assumimos uma certa posição dentro da sociedade.

A noção de abuso, de exagero na violência, na medida em que eu fiz uma certa associação entre direito e violência, é di­fícil de obter através, da própria institucionalização da violência como meio de tratamento das desilusões. A violência é um meio de tratar as desilusões, mas, se eu tentar institucionalizar a violência, isto é, acreditar pressupor que todos estão de acordo, presumir um consenso a respeito do uso da violência a partir da própria violência, eu nunca vou chegar à noção de abuso de violência ao contrário, isso só vai me levar a uma violência cres­cente.

Portanto, a ideia de que existe um abuso de violência exige certas condições que levam a noção importantíssima para o di­reito da violência razoável. £ impossível eu extirpar a violência na medida em que ela está ligada ao ser humano, mas é possí­vel pelo menos controlar a violência através dessa noção de vio­lência razoável. Quais são esses pressupostos?

O primeiro pressuposto está na concentração política das decisões sobre o uso da violência e na progressiva diferenciação na forma de procedimentos institucionalizados. O que é que eu quero dizer com isso? Vejam, eu falo em concentração política da decisão sobre o uso da violência e não concentração política da violência. A concentração política da violência leva a uma violência arbitrária e sem fim, mas a concentração política da decisão sobre o uso da violência, isto é, o estabelecimento do poder judiciário que julga quando se pode e quando não se pode usar a violência, mas que ele próprio a usa, é uma das condições pelas quais nós temos então a possibilidade, na socie­dade, de começar a falar em violência razoável.

O segundo pressuposto decorre deste primeiro, é a diferença entre a prova do direito e a prova do fato. Quando nós separa­mos estas duas coisas, nós começamos a perceber que ninguém tem o monopólio da violência, vale dizer, a demonstração da le­gitimidade da violência não está nem mesmo com aqueles que a detém, isto é, que podem usar a violência; nem com aqueles que julgam da necessidade do uso da violência. Esta separação, uma espécie de divisão de poderes, auxilia o controle da violên­cia dentro da sociedade.

Pois bem, esses instrumentos nos levam, não a tornar in­dispensável a violência com toda a sua ambiguidade, mas a criar uma situação em que a violência parece ser essencialmente limitada, constituindo-se o terreno propício para o aparecimento das ideologias humanistas que nos conduzem até às afirmações do tipo da ilusão de uma sociedade sem violência.

É possível nós resolvermos o problema da presença cres­cente da violência dentro de uma sociedade através do direito, que é basicamente o nosso instrumento normativo? É um ins­trumento importante, mas que nos impede, às vezes, um traba­lho, quando a complexidade atinge a uma situação quase que insuportável. Nós estamos assistindo, hoje, a uma certa decadên­cia do instrumento normativo, e isso pode ser bom ou pode ser ruim, mas é um fato constatado. O crescimento, por exemplo, da criminologia em relação ao direito penal mostra que a cri­minologia trabalha muito mais com expectativas cognitivas, ela procura muito mais adaptar-se às situações sociais do que o direito penal, que tem mais o sentido normativo de manuten­ção de expectativas. Esse crescimento mostra que nós estamos na sociedade de hoje tentando caminhar para uma atitude de compreensão, de entendimento do ser humano, e através disso resolver o problema da presença da violência.

Fonte: Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. Institucionalização da Violência; Ciência Penal, ano VI, nº1, 1980, Rio de Janeiro, Editora Forense.

Corrigido por Sonia Silva Barros Dias.