Os Cordões da Bolsa

Tercio Sampaio Ferraz Jr

 

O episódio da venda das ações da Vale do Rio Doce, ao lado das repercussões políticas, teve ainda o condão de pôr a descoberto algumas limitações do acanhado mercado de capitais brasileiro. A parte o problema de eventuais vazamentos de informações que teriam bene­ficiado alguns poucos privilegiados, a impotên­cia revelada pela Comissão de Valores Mo­biliários em atuar como elemento fiscalizador e regulador dos negócios com ações aponta para outras importantes consequências.

Como se sabe, existe uma instrução da CVM, de número 303, que exige o registro de operações de grande porte na Bolsa, para evitar mani­pulações e especulações indevidas. Esta ins­trução, no caso da Vale, em que, ademais, o ven­dedor era a própria União, através do Ministério da Fazenda e do Banco Central, não foi respei­tada. Alegou-se, a propósito, que o governo, nes­ta negociação, não estaria adstrito àquela ins­trução, o que evidentemente é, pelo menos, uma incoerência. Afinal, dentro de uma concepção democrática do Estado de Direito, a lei è so­berana, devendo todos, inclusive o governo, a ela se submeter.

Já por esse fato, o episódio da Vale mostra a fragilidade institucional do mercado brasileiro. Não contente em ser legislador, o governo pretende também atuar como juiz que perverte, em causa própria, a legislação. Ademais, atuando economicamente na sustentação das operações, pois não se pode negar que as Bolsas brasileiras subsistem graças a empresas do tipo Petrobrás, Banco do Brasil e a investimentos proporcionados pelos fundos oficiais, como o 157, o governo acaba forçando a existência artificial de um mercado apenas com pretensões capi­talistas.

Na verdade, o que sucede é que, dentro do processo de desenvolvimento acelerado e tu­telado que vivemos, as Bolsas de Valores no Brasil não tiveram, até agora, condições de atuar como um mecanismo financeiro de área privada, capaz de autorregular-se e de afirmar-se como um decisivo ponto de sustentação para a captação de recursos empresariais e para a ins­tauração de um modelo capitalista de partici­pação econômica do cidadão. A presença do governo, com uma verdadeira tutela tanto econômica como legislativa e até política do mercado, retira da iniciativa privada a capa­cidade de promover-lhe o desenvolvimento com o mínimo de espontaneidade compatível com um modelo capitalista. Observa-se, neste sentido, quão pequena é a participação de grandes em­presas brasileiras que não veem maior interesse em abrir seu capital, permanecendo alheias ao mercado, em contraste com as estatais e as de economia mista.

Assim, depois de uma experiência de alguns anos, o regime de 64 está agora na obrigação de rever a sua política de mercado de capitais. O modelo que acabou vingando mostra uma exces­siva dependência das Bolsas em relação ao Poder Executivo, quer no plano de regulação e controle, quer quanto a sua sustentação eco­nômica por empresas que lhe são adstritas. Es­ta exagerada centralização se, num período inicial, foi útil como agente desencadeador de um processo, hoje se revela, entretanto, como um elemento que pode conduzir o mercado a uma permanente e indesejável vida artificial.