Tercio Sampaio Ferraz Jr..
- O objeto destas reflexões tem por base a seguinte decisão proferida pela 1'ª Turma do egrégio STJ:
- "Tributário ― Contribuição previdenciária ― Constituição do crédito tributário ― Decadência ― Prazo (CTN, art. 173).
- O art. 173, I, do CTN deve ser interpretado em conjunto com seu art. 150, §4º.
- O termo inicial da decadência prevista no art. 173, I, do CTN não é a data em que ocorreu o fato gerador.
- A decadência relativa ao direito de constituir crédito tributário somente ocorre depois de cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que se extinguiu o direito potestativo de o Estado rever e homologar o lançamento (CTN, art. 150, § 4º).
Se o fato gerador ocorreu em outubro de 1974, a decadência opera-se em 1º de janeiro de 1985" (REsp 58.918-5, rel. Min. Humberto Gomes de Barros).
Este entendimento jurisprudencial coloca um problema relativo à relação entre o disposto nos arts. 173, I, e 150, § 42, do CTN. Referindo-se ao primeiro dos artigos, começa por admitir que o prazo mencionado no inciso I, ao reportar-se ao primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, conduz a uma incerteza em face da equivocidade do termo "poderia", que significaria tanto o momento a partir do qual passa a ser lícito fazer o lançamento quanto o momento a partir do qual deixaria de ser lícito fazê-lo. E, ao solucionar a dificuldade, propõe a leitura conjugada dos arts. 173, I, e 150, § 4º, de tal modo que o prazo decadencial do art. 173 começaria a correr cinco anos depois do primeiro dia do exercício seguinte ao prazo "da faculdade de rever" o lançamento por homologação expressa ― isto é, a autoridade teria cinco anos para efetuar a homologação expressa e, não o fazendo, sua faculdade de revisão terminaria com o lançamento tácito, mar após este prazo, ainda haveria mais cinco anos decadenciais para um outro lançamento. Ao somar os dois prazos, aquele entendimento jurisprudencial supõe estar aplicando coerentemente o disposto no art. 17 ao disposto no art. 150.
Prescrição e decadência são conceitos operacionais da dogmática jurídica com o quais se enfrentam situações caracterizada por formas de ineficácia normativa que afetam a incidência dos comandos. Eficácia das normas é uma qualidade referida à produção de efeitos. Assim, uma norma válida, isto é, integrada no ordenamento por obediência aos requisitos de sua formação permite a exigência dos comportamento prescritos desde o momento em que é publicada até que seja revogada ou que se esgote o período por ela prescrito. Durante, o tempo de validade diz-se que a norma é vigente. Assim, a vigência pode ser imediata, ter seu início postergado ou pode ser suspensa. Já a eficácia diz respeito à produção concreta de efeitos. Trata-se de uma potencialidade. Eficácia é possibilidade de produzir efeitos, ou porque estão presente: condições fáticas (eficácia social), ou porque estão presentes condições técnicas (eficácia técnica). Quando uma norma eficaz concretiza seus efeitos temos a sua incidência. A incidência é uma atualização dos efeitos. Assim, pode ocorrer que uma norma válida, vigente e eficaz não incida porque não se realizaram as condições concretas de sua atualização. Por exemplo, uma norma sobre a aquisição do direito de propriedade imóvel pode ser válida, vigente e eficaz, mas só pela realização do negócio jurídico e pela transcrição da escritura ocorrerá a incidência, constituindo-se o direito correspondente (cf. o meu Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, 1994, pp. 202 e 249). Distinga-se, ademais, dentre as várias modalidades normativas, entre normas de competência e normas de conduta. As primeiras, primariamente, configuram situações subjetivas de poder e sua violação gera nulidade. As segundas, primariamente, configuram obrigação e sua violação gera, sanção. Não é necessário que coexistam, isto é, valham simultaneamente, nem que tenham o mesmo grau de eficácia ao mesmo tempo, podendo sua incidência ocorrer em momentos e circunstâncias diferentes. Assim, pode acontecer que uma norma de conduta eficaz incida e gere obrigação sem que a incidência da norma de competência tenha ocorrido, não se constituindo o correspondente direito.
A bilateralidade característica das normas jurídicas (no sentido de alteridade) permite-nos reconhecer que normas de conduta estabelecem relações de coordenação entre os agentes; e as de competência, relações de subordinação. As de coordenação prescrevem a obrigação do agente "A" e, simultaneamente, a correspondente faculdade do agente "B". Mas, a contrario sensu, por omissão normativa (ausência de norma de conduta), temos a não-faculdade de "B", a que corresponde a liberdade de "A". Já as relações de subordinação prescritas pela norma de competência ocorrem entre a sujeição de "A" e a correspondente potestade de "B". E, a contrario senso, por omissão normativa teremos a impotência de "A" e a correspondente imunidade (genérica) de "B". A análise das relações. que admite, ademais, outros relacionamentos entre si, nos dá uma medida da complexidade que existe em conceitos como o de direito subjetivo ou de poder jurídico. E, em consequência, da dificuldade de uma explicação clara para as noções de decadência e prescrição.
Estas distinções são importantes para o tema sob exame. Dispõe o CTN, no seu art. 113, § 1º, que a obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador. Esta norma estabelece uma condição essencial para a incidência de uma norma de conduta. Sem a ocorrência do fato gerador previsto na norma de conduta, que é eficaz, isto é, pode produzir efeitos, a obrigação não se constitui. Por sua vez, o art. 139 determina que o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta, isto é, a norma de conduta eficaz que estatui a obrigação estatui simultaneamente o crédito. Estatuído o crédito, ocorre a possibilidade de ele ser exigido (eficácia da sua estatuição). Ou, em outras palavras, a incidência da norma de conduta pela ocorrência do fato gerador cria a obrigação e a correspondente faculdade. O que caracteriza essa faculdade é a possibilidade de exigir, é a exigibilidade, ou, ainda, a possibilidade de exigir a prestação contida na obrigação ou pretensão à prestação.
Temos, assim, constituído o crédito, correlato da obrigação tributária. A exigibilidade ou pretensão nele contido faz parte dele e não se confunde com o correspondente direito de ação (judicial) que o protege. Nesse sentido, constituída a relação obrigação/crédito, este é exigível, a obrigação traz a faculdade. Nesses termos, o art. 139, supramencionado, determina que o crédito decorre da obrigação principal. Contudo, esta faculdade que aparece com a obrigação por força da incidência da norma de conduta em face da ocorrência do fato gerador, para se tornar potestade, correlata de uma sujeição numa relação de subordinação, pede ainda outra norma, unia norma de competência. Nesse sentido, o art. 142 do CTN prescreve competência privativa à autoridade administrativa para constituir o crédito tributário.
A expressão "constituir", nesse artigo, tem causado polêmica, produzindo a divergência entre a doutrina que vê no lançamento um fator constitutivo e a que nele vê um fator declaratório do crédito. A meu ver, a expressão, no art. 142, diz respeito a outra relação, a uma relação de subordinação. Enquanto a norma do art. 139 cria uma relação de coordenação (obrigação ― dever de pagar/crédito ― pretensão à prestação), a do art. 142 cria uma relação de subordinação (potestade ― exigência concretizada/sujeição ― encargo correspondente). Nestes termos, a faculdade de exigir a prestação, conteúdo de uma norma de conduta, torna-se também conteúdo de uma norma de competência, tornando-se poder, poder de sujeitar. O lançamento é o ato de exercício desse poder. Ou seja, pelo art. 139 o crédito nasce como decorrência da obrigação: a ocorrência do fato gerador provoca a incidência da norma de conduta e o crédito é constituído como relação de coordenação; pelo art. 142 a autoridade, pelo lançamento, constitui o crédito como pretensão exercida, isto é, exige o crédito (potestade), ao qual, numa relação de subordinação, corresponde a sujeição do contribuinte. Essa potestade, na linguagem do CTN, art. 173, é um direito, direito de constituir o crédito tributário: o crédito tributário é aqui constituído como relação de subordinação.
A incidência da norma de conduta e da norma de competência não é necessariamente simultânea, pois para efeito de constituição da relação de coordenação (obrigação/faculdade, obrigação tributária/crédito tributário) basta a ocorrência do fato gerador. Mas para a constituição da relação de subordinação (exigência protestativa do crédito) exige-se também o lançamento (art. 142), que pode, faticamente, ocorrer depois, havendo, nesse artigo, a previsão de uma série de procedimentos que culmina com o ato de lançar. O direito de exercer aquela potestade e constituir a relação de subordinação nasce com a obrigação, isto é, desde o momento em que se constituiu a relação de coordenação.
Há, portanto, nessa constelação de conceitos a figura da constituição do crédito, a figura da constituição do direito de exercitá-lo por meio do lançamento, no sentido de que ele possa ser cobrado pela ação própria, e a figura do direito de efetuar o lançamento.
A doutrina diverge sobre a natureza do lançamento. Para os objetivos desta análise é mais importante ressaltar que o lançamento é estatuído como condição de incidência da norma de competência: sem ele não há constituição do crédito como relação de subordinação, exercício do poder de exigir o crédito correspondente à obrigação. Por isso faz sentido que "lançar" seja atividade administrativa vinculada e obrigatória: ao lançar, o Fisco está exigindo o crédito, entendendo-se a razão pela qual se prevê uma notificação, não ficando ao arbítrio da autoridade realizá-la ou omiti-Ia. Tratando-se de uma competência privativa, é um poder (relação de subordinação), não uma faculdade (relação de coordenação). O exercício deste poder de lançar (incidência da norma de competência) está sujeito a condições. Dentre estas condições há uma de natureza temporal cuja violação gera ineficácia: para além de certo prazo a possibilidade (eficácia) de exercer o poder de lançar o crédito correspondente ao fato gerador ocorrido não admite mais a incidência concreta: não se pode mais "constituir" o crédito, isto é, verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, aplicar a penalidade cabível. Ou seja: a relação de subordinação não mais se efetiva. Por força desta ineficácia, o direito de lançar caduca, gerando, por consequência, a extinção do crédito (relação de coordenação). Ou seja: a ineficácia pelo descumprimento de um tempo prescrito na configuração das condições de exercício do poder de exigir o crédito (relação de subordinação) provoca um efeito no plano da validade: o crédito (relação de coordenação) deixa de existir, extingue-se. A isto se aplica o termo "decadência". O que decai, portanto, é o direito de exercer o poder conferido na atribuição de competência administrativa. A questão é, agora, saber a partir de quando se conta o prazo.
Como se sabe, há três modalidades de lançamento, dependendo do papel que a lei atribua ao contribuinte na sua preformação. Embora seja competência privativa da Administração, o contribuinte pode concorrer para a sua efetivação. No lançamento por declaração cabe ao contribuinte fornecer os dados sobre a matéria de fato imprescindíveis à efetivação do ato de lançar. No lançamento por homologação o contribuinte, com base nos dados por ele discriminados, antecipa o pagamento, limitando-se o ato de lançar a uma homologação, expressa ou ficta. E no lançamento de ofício a autoridade responde pelas informações e, com base nelas, lança, sem o concurso do contribuinte. O que é diferente, nos três casos, é o procedimento administrativo, suporte fático do ato administrativo de lançar.
Ora, o CTN determina, no art. 173, um prazo de cinco anos para que o direito de lançar seja exercido (incidência). A meu ver, este prazo e seu regime valem para o lançamento de ofício e para o lançamento por declaração. No caso de homologação não há que se falar em decadência no sentido do art, 173, pois, decorrido o prazo estipulado no art. 150, § 42, que é, coincidentemente, de cinco anos, a incidência ocorreu: por ficção legal, o ato foi realizado. Ou seja, o Código Tributário Nacional atribui à omissão de homologação expressa o efeito de homologação por decurso de prazo. E ressalva, para a produção deste efeito da omissão, a inocorrência de dolo, fraude ou simulação. Ou seja: não pode haver decadência do direito de lançar se o direito foi exercido, isto é, se o lançamento, por ficção, já ocorreu.
o prazo para a homologação ficta conta-se da ocorrência do fato gerador.
Condição para que ocorra a homologação ficta, além da ausência de dolo, fraude ou simulação, é a antecipação do pagamento. Sem esta condição não há o que homologar. Não havendo o que homologar o ato de lançar exige outro procedimento (cf., nesse sentido, Luciano da Silva Amaro, "Lançamento por homologação e decadência", Resenha Tributária, 1975, 1.3, 25-75, p. 335; confirmando essa posição, cf. Carlos Mário da Silva Velloso, "A decadência e a prescrição do crédito tributário ― As contribuições previdenciárias ― A Lei 6.830, de 22.9.80: disposições inovadoras", RDT 9-10/183). Não sendo o caso de declaração, o procedimento exigível é o do lançamento de ofício (CTN, art. 149, V). E como já de priscas datas se reconhece que dormientibus non sucurrit jus, cabe à autoridade administrativa providenciar os procedimentos correspondentes e efetuar o lançamento, de ofício, a tempo, isto é, antes do prazo decadencial previsto no art. 173. E como este prazo corre ininterruptamente, mesmo em caso de ajuizamento de ação contra o Fisco e concessão de liminar, entende-se a cautela da Fazenda (e, em especial, o posicionamento reiterado da Procuradoria-Geral da Fazenda Federal) em proceder no sentido de efetuar o lançamento de ofício mesmo estando a questão sob judice.
Em suma, pode-se dizer que, no caso de lançamento por homologação, a contar da data da ocorrência do fato gerador o Fisco tem cinco anos para proceder à homologação expressa; e, não o fazendo, homologado está o lançamento e, consequentemente, extinto o crédito (art. 156, VII), com a ressalva de dolo, fraude ou simulação. Não se configurando, nos casos ressalvados, o pressuposto do art. 156, VII, a Fazenda pode ainda proceder à revisão. Esta revisão, porém, tem prazo, posto que é da própria sistemática do Código Tributário Nacional a prescritibilidade dos créditos tributários, obrigando-se o contribuinte à guarda de documentos até que ocorra a prescrição (art. 195, parágrafo único). Se os procedimentos de revisão não tivessem prazo, não estando o contribuinte obrigado a conservar os documentos, estaria criada uma situação de insuportável insegurança jurídica. Como, ao contrário, a obrigatoriedade de guarda tem prazo, o prazo da revisão, dentro da mesma sistemática, deverá ser encontrado em suas próprias disposições. A revisão ocorre de ofício e só pode ser iniciada enquanto não se extinguiu o direito da Fazenda (art. 149 e seu parágrafo único). Que significa isto no caso de lançamento por homologação? Por determinação legal, havendo ocorrência de dolo, fraude ou simulação, o prazo de cinco anos a contar do fato gerador não produz o lançamento, não se extinguindo o crédito. Há ainda direito de lançar. Qual seu prazo? Aqui entra, pois, o disposto no art. 173, em virtude do qual o dies a quo só pode estar determinado pelo primeiro dia do exercício seguinte àquele em que, feito artificiosamente o pagamento, o Fisco poderia ter procedido ao lançamento de ofício. Considerar o dies a quo a partir da tomada de conhecimento, pelo Fisco, do vício seria introduzir na sistemática a mesma insegurança que, então, expulsa pela porta da frente, entraria pela dos fundos. "Tomar conhecimento" não pode ser fato gerador de obrigação, condição para o exercício do direito de lançar.
Se, por outro lado, não houver o devido procedimento, isto é, o recolhimento antecipado não ocorrer, mas em boa-fé do contribuinte, não poderá ter havido homologação, nem expressa nem fida, por falta de um pressuposto essencial, não se aplicando essa modalidade de lançamento. Nesse caso, o lançamento possível terá de ser de ofício (art. 149, V). Sendo outra a modalidade, no caso, o lançamento de ofício, a ele será aplicado o prazo decadencial do art. 173, que se contará do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento (de ofício) poderia ser efetuado. E, em conformidade com o disposto no citado art. 149, V, há de se entender que o lançamento poderia ter sido efetuado quando se comprovasse a omissão do recolhimento prévio. Este é o fato gerador da relação de coordenação, pressuposto do ato concreto de exigir. O que regula a contagem é a omissão do pagamento no prazo prescrito para o recolhimento antecipado, que a comprova.
A expressão "poderia ser efetuado" merece uma consideração. No caso de vício, como vimos, leva-se em conta o primeiro dia do exercício seguinte ao do pagamento artificioso. No caso de não-recolhimento, como nunca se aperfeiçoará condição para o lançamento por homologação, o prazo se conta em conformidade, com o parágrafo único do art. 173. Só nesse prazo ele poderia ser efetuado. Mesmo( admitindo-se que do fato gerador até a consumação dos cinco anos o contribuinte poderia ter realizado o recolhimento, ainda que com os acréscimos exigíveis por força da mora, se não o fez fundado na boa-fé de seus argumentos, ter-se-ia que admitir também que após os cinco anos não mais haveria lançamento por homologação, por falta de um pressuposto essencial. Ora, se essa hipótese não mais subsiste, tendo o lançamento possível que ser de outra modalidade (de ofício), a omissão do pagamento antecipado, que enseja o lançamento de ofício, teria ocorrido não com o decurso do prazo de cinco anos para a homologação (que nunca se efetuaria), mas no momento em que, obrigado à antecipação, o contribuinte não recolheu. Contar esse prazo a partir dos cinco anos decadenciais para a homologação significaria, de um lado, afirmar que o contribuinte, embora obrigado a antecipar num certo prazo, poderia, a seu alvedrio, deixar de fazê-lo, desde que se sujeitasse às penas correspondentes, o que destruiria a noção de obrigação (afinal, a imposição da pena pressupõe o descumprimento de uma obrigação, prévia e plena); de outro lado, que o Fisco poderia lançar de ofício a partir do momento em que é impossível lançar por homologação, o que é uma contradição, pois, se não é possível o lançamento por homologação, contar o prazo daquela outra modalidade a partir do exercício seguinte àquele em que se consumou o prazo para a realização do lançamento por homologação seria incorrer numa espécie de petição de princípio: se o prazo de uma modalidade (“A”) principiasse após o esgotamento do prazo da outra (“B”), nada obstaria a que, esgotado o prazo da primeira (“A”), também principiasse o prazo de um outro lançamento (“C”), e assim ao infinito. Ou seja: o prazo decadencial
só principiaria após o prazo decadencial! Esta hipótese só deixaria de ser logicamente viciada se, primeiro, pudesse ser aceito que há lançamentos provisórios e outros definitivos, o que é, obviamente, repudiado pelo Código Tributário Nacional (art. 141, c/c arts. 145, 149 e 174). Entendo que a expressão constante no art. 174 ("constituição definitiva") não autoriza a distinção, referindo-se antes ao lançamento como ato final que tem por suporte um procedimento complexo: antes do ato, o lançamento não se aperfeiçoa; não se aperfeiçoando, não há ainda lançamento, por inocorrência de sua constituição definitiva. Isto é, o processo constituidor é que pode não estar ainda definido. Ademais, podendo os créditos ser impugnados tempestivamente em fase administrativa, ter-se-á, afinal, como crédito definitivamente constituído aquele atingido pela preclusão. Aperfeiçoado este, o lançamento nunca é provisório. Ou então, em segundo lugar, se se admitisse que a expressão "poderia ser efetuado" tivesse um sentido de opção, atribuindo-se à autoridade o poder (discricionário) de lançar por uma modalidade ou deixar de fazê-lo, optando por outra, o que, obviamente também, contraria o Código Tributário Nacional (art. 142 e seu parágrafo único: a atividade do lançamento é vinculada e obrigatória).
A posição assumida por uma das Turmas do STJ identifica, destarte, "poder efetuar" com "poder deixar de efetuar". Ao afirmar que a decadência se conta do exercício seguinte àquele em que não era mais lícito ao Estado homologar, está admitindo que o Estado, naquele prazo, poderia ter deixado de lançar, o que é contraditado pela própria norma que atribui à omissão de homologação o sentido de lançamento por decurso de prazo. Na verdade, após a homologação ficta, havendo dolo, fraude ou simulação, o que pode haver é a revisão, cujo prazo inicial corre do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o ato vicioso. E, havendo omissão de lançamento no prazo prescrito, o que a comprova, não haverá o que homologar, devendo a autoridade lançar de ofício, contando-se o prazo a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu omissão.
Entendo. nesta ordem de raciocínio que o deferimento de medida liminar ou sentença suspendendo a exigibilidade do crédito tributário não desobriga a Fazenda de promover o lançamento de seu crédito, para proteger-se da decadência. A suspensão referida tem a ver com a prescrição da ação de cobrar, não com o direito de constituição do crédito. Ao contrário do que acontece no Direito Privado, o credor fazendário tem a possibilidade de constituir o seu título, apesar do devedor. Quando este, por medida judicial, se antecipa à ação do credor de exigir o crédito, isto não afeta o poder/dever da Fazenda de constituí-lo regularmente. Mesmo constituído, a liminar suspende a possibilidade de exigi-lo (pretensão) por meio de ação própria, o mesmo valendo para o período em que ainda não foi constituído. Mas não suspende o prazo para lançá-lo. A constituição, por meio do lançamento, está sujeita ao prazo decadencial, que não conhece interrupções nem suspensão.
Uma outra consequência relevante está em que suspensão do prazo prescricional não é a mesma coisa que suspensão da exigibilidade do crédito. Para ocorrer a primeira é preciso que o prazo já se tenha iniciado, o que nem sempre ocorre quando da sustação da exigibilidade. Por exemplo, mesmo um lançamento ainda sujeito a recurso não pode ser considerado como constituído definitivamente. Assim, ainda que a autoridade fazendária, por meio de ação cautelar, tivesse tomado ciência do suposto débito, isto não bastaria para dá-lo como constituído. Admitindo-se, porém, que o planejamento fosse já definitivamente constituído, ou mesmo que se aceite o recolhimento antecipado ou a simples declaração como suficiente para a execução, é óbvio que o prazo prescricional teria começado a correr desde aquele momento, isto é, desde o momento em que, decorrido o prazo para a prestação, nasce, para o credor, a pretensão. Com a concessão de liminar, estando suspensa a exigibilidade do crédito, neste caso suspenso estaria o prazo de prescrição, posto que, neste interregno não podendo exigir. não teria a Fazenda como fazer valer a sua pretensão. Mas. deixando a liminar de estar em vigor, voltaria a correr o prazo prescricional a partir do momento em que aquilo ocorresse.
Por sua vez, o inciso IV do parágrafo único do art. 174, que admite a interrupção da prescrição, caso em que a paralisação, ao reiniciar-se a contagem, desprezaria o tempo pregresso, por qualquer ato inequívoco que importe reconhecimento do débito pelo devedor, só se aplica se tiver ocorrido, anteriormente, a constituição definitiva, conforme disciplina o caput do mesmo artigo. Por último, há de se convir na especial situação de um crédito lançado por homologação tácita. Embora perfeito o lançamento, não há como executá-lo, posto que, pela homologação, o crédito está extinto. Não se aplica a este caso a prescrição, posto que satisfeita estaria a pretensão, ressalvados casos de dolo, fraude ou simulação.
Um outro aspecto importante diz respeito à homologação tácita, que resulta da omissão da autoridade decorrido o prazo de cinco anos, e que constitui uma presunção legal de que o crédito está constituído definitivamente. O direito de fazer-lhe a revisão, que só pode ser exercido nos casos elencados no art. 149 do CTN, terá de ser iniciado antes de decorrido o prazo decadencial para o lançamento de ofício. Como no lançamento por homologação tácita o crédito se extingue, a revisão só se efetua caso não tenha havido aquela extinção, o que ocorre nos casos de dolo, fraude, simulação (art. 149, IV) ou se se comprove omissão de recolhimento antecipado (art. 149, V). Em ambos os casos o prazo decadencial conta-se a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao em que ocorre a hipótese quer do inciso IV, quer do inciso V, conforme os argumentos expostos nas observações preliminares.
Por fim. reafirme-se, em conclusão. que, no caso de homologação, expressa ou ficta, há, nesta última por presunção legal, homologação efetuada (incidência). 0 crédito extingue-se, nos termos do art. 156, VII, do CTN, ocorrida a homologação expressa, ou decorrido o prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador da obrigação principal. No caso de dolo, fraude ou simulação e no caso de omissão comprovada, o prazo é para o lançamento de ofício, que corre do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorreu o pagamento artificioso ou a omissão comprovada, tendo o Fisco, então, cinco anos para procedê-lo, conforme o art. 173 do CTN, a contar do primeiro dia do exercício seguinte às respectivas ocorrências. Assim, se, pela natureza do tributo, o lançamento devesse ser por homologação, mas o recolhimento antecipado, sua condição essencial, não ocorreu, o Fisco deveria lançar de ofício o crédito, no prazo de cinco anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte ao em que ocorreu o fato omissivo. Já o prazo prescricional no lançamento de ofício corre a partir da sua constituição definitiva, e, admitindo-se a possibilidade de execução só com base em conhecimento, pelo Fisco, de omissão de recolhimento antecipado obrigatório, quando nasce a pretensão de exigi-lo, a partir do momento em que a pretensão não foi satisfeita. Quanto ao lançamento por homologação, ocorrida esta e estando extinto o crédito, não há como executá-lo, posto que a pretensão já foi satisfeita, salvo em caso de dolo, fraude ou simulação, quando o prazo começará a correr a partir do momento em que, constituído o crédito, a pretensão não é satisfeita.
Maio de 1998.
Fonte: Revista de Direito Tributário, nº 71, Malheiros, São Paulo.